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Linguagista

Léxico: «ié-ié»

Estão a brincar

 

      «Nascido em Luanda, em 1943, [Eduardo] Nascimento destacou-se na cena musical de Lisboa na década de 1960, com a participação num concurso de “ié-ié” realizado no antigo Teatro Monumental. Eduardo Nascimento atuava na banda Os Rocks, que venceu o Prémio de Imprensa, em 1966» («Funeral de Eduardo Nascimento marcado para segunda-feira», Rádio Renascença, 23.11.2019, 16h57).

      Ultrapassa a minha compreensão que os nossos dicionários ignorem completamente o vocábulo ié-ié, que ouço desde criança. Ainda me ocorreu que estivesse registado com a grafia ieié (afinal, não temos ioió?), mas não.

 

[Texto 12 349]

Léxico: «detectorismo | detectorista»

Já os detectámos

 

      «De norte a sul do país há locais arqueológicos que estão a ser vandalizados por amadores e profissionais que usam detectores de metais para encontrar peças históricas, que por vezes acabam por ser vendidas em sites de vendas e leilões online. Chama-se a esta actividade detectorismo, um aportuguesamento da palavra inglesa detectorism. [...] De acordo com a arqueóloga Liliana Carvalho, nas publicações da Internet onde os detectoristas expunham os seus achados “é claro que os intervenientes têm consciência de que estão em sítios arqueológicos e que são conhecedores do significado da maioria dos artefactos recolhidos, particularmente as moedas”» («Saqueadores de locais arqueológicos denunciados à PJ», Sónia Trigueirão, Público, 24.11.2019, p. 16).

 

[Texto 12 347]

Léxico: «cetária»

Uns séculos atrasado

 

      Porto Editora, há quanto tempo não passas pela Rua Marques Leal Pancada, em Cascais? Se o tivesses feito nos últimos tempos, terias visto que já estão em exposição, protegidas, as cetárias romanas, que datam do século I a. C. Transcrevo o que lá está escrito: «CETÁRIA | Lat. Cetaria. Tanque com revestimento estanque (opus signinum) tendencialmente retangular onde eram colocados os peixes misturados com sal. Através de um processo de autodigestão do próprio aparelho digestivo e na presença de um antissético (sal), o peixe ia-se transformando em pasta sem se putrefazer.» (Pois, bem visto: também te falta setária.)

 

[Texto 12 346]

Léxico: «sipaio | sipai»

Muito mal definido

 

      «E quase sempre o faziam por intermédio dos auxiliares da administração (sipaios) e das autoridades tradicionais, carecidas do bom senso e da noção exacta dos direitos do “indígena”» (O Trabalho Assalariado em Angola, Afonso Mendes. Lisboa: Instituto superior de Ciências Sociais e Política Ultramarina, 1966, p. 91).

      Sim, estão ambas as variantes no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, mas nem tudo está bem. Para começar, se em sipai se remete para sipaio, neste não se remete para aquele. Isto é tanto mais grave que é precisamente na forma mais conhecida que não há remissão. Qual a lógica disto? Mais: se atribuirmos algum significado à ordem em que surgem as acepções, diria que estão trocadas, pois, apesar da nossa ligação a Angola, quando deparo com a palavra não penso logo no «soldado angolano», definição equívoca e controversa, mas antes e sempre no «soldado natural da Índia, ao serviço dos Ingleses». De qualquer maneira, a definição é, a todos os títulos, equívoca. Tem de se explicar quem e onde, e isto tudo em meia dúzia de palavras. De contrário, ainda o falante incauto (centenas, milhares) vai pensar que João Lourenço tem ao seu serviço um exército de sipaios. Última nota: não escrevam «cipaio», não é a grafia correcta. Infelizmente, já esta semana o corrigi num artigo.

 

[Texto 12 345]

Léxico: «psicogerontologia»

Não pode ser

 

      «“Relativamente às pessoas idosas, há muitos ecos de que há medicação em excesso em casa e, sobretudo, nos lares. Há a presunção de que é frequente serem medicadas com mais do que é indicado pelo médico para não incomodarem”, adianta Álvaro de Carvalho, diretor do programa nacional para a saúde mental da DGS. Também Wolfgang Gruner, médico e vice-presidente da Associação Portuguesa de Psicogerontologia, diz que “há a perceção de que pode haver excesso de medicação nos lares para os doentes estarem mais tranquilos e dormirem melhor”» («Lares dão sedativos em excesso a idosos», Joana Capucho, Renascença, 3.05.2016, 1h00).

      Parece que especialidades não é com o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Psicogerontologia? Ná. Os especialistas devem apreciar tanto esta discriminação como nós, falantes.

 

[Texto 12 343]

O plural de «móbil»

Não se pode confiar

 

   «Mas progressivamente foi também descobrindo que os móbeis económicos e as lutas sociais dominam a vida pública» (Os Fenómenos Políticos: Sociologia do Poder, António Teixeira Fernandes. Porto: Edições Afrontamento, 1988, p. 128).

      Para alguns dicionários, entre os quais o da Porto Editora, o único plural de móbil é «móbiles». Não é assim: tem duplo plural, móbeis e móbiles, e móbeis está, inequivocamente, mais dentro da índole da língua, sendo mesmo o único que uso e recomendo.

 

[Texto 12 342]