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Linguagista

O que se escreve por aí

Caxumba (e mais qualquer coisa)

 

      «O governo de Samoa, no Oceano Pacífico, decretou o estado de emergência e ordenou o “encerramento” do arquipélago durante dois dias para vacinar a população contra o sarampo. A epidemia da doença está descontrolada e, desde outubro, já foram infetadas mais de quatro mil pessoas, contando-se também mais de 60 mortos, na sua maioria crianças até aos 4 anos. [...] Essa desconfiança sobre a vacina combinada sarampo-caxumba-rubéola (MMR) foi provocada por um estudo de 1998 que vinculou a vacina ao autismo» («Sarampo “encerra” Samoa. Panos vermelhos à porta à espera de uma vacina», TSF, 4.12.2019, 17h56).

     Que grande trapalhada! «Caxumba»! Mas isso é termo brasileiro. Nós dizemos papeira ou parotidite. E a sigla MMR? É do nome em inglês: measles, mumps, and rubella. Para nós é VASPR, que é a vacina combinada trivalente contra o sarampo, a parotidite epidémica e a rubéola. Estão doentes, é óbvio.

 

 [Texto 12 407]

Léxico: «electroestimulação | transcutâneo»

Então apontem aí estas

 

    Duas: «Há quem considere a fisioterapia útil, quem prefira a neuroestimulação eléctrica transcutânea, quem seja adepto da acupunctura, quem escolha a hipnose, quem use medicação. Depois de fazer o tratamento das areias quentes, quase todas as pessoas amputadas que para ali viajaram com a organização reportam algum efeito positivo» («Amputados. Uma areia que caça dores-fantasma [sic]», Ana Cristina Pereira, Público, 2.12.2019, p. 21).

      Destas duas, electroestimulação é desconhecida da Porto Editora (mas encontramo-la — ó suprema incoerência! — num bilingue, Elektrostimulation), transcutâneo só no Dicionário de Termos Médicos a podemos ver.

 

[Texto 12 406]

Léxico: «bioclasto | vulcanoclasto»

Ainda não as conhecem

 

      «Já este século, João Baptista e Celso Gomes, da Universidade de Aveiro, desvendaram o segredo: trata-se de uma areia carbonatada biogénica, composta por bioclastos de algas vermelhas, organismos possuidores de esqueletos calcários e grãos de vulcanoclastos» («Amputados. Uma areia que caça dores-fantasma [sic]», Ana Cristina Pereira, Público, 2.12.2019, p. 20).

      Mais duas que não encontro em nenhum dicionário: bioclasto e vulcanoclasto. (Ah, sim, as «dores-fantasma» tiveram de levar com um sic em cima. Desde quando, Ana Cristina Pereira, é que num caso destes se usa hífen?)

 

[Texto 12 405]

Léxico: «massapez | salão | bentonite | esmectítico | geofarmácia | geomedicina»

Um ror deles

 

      «Na serra, existe uma argila esmectítica a que os cientistas chamam “bentonite” e a população local “salão” ou “massapez”. Não falta quem a misture com água do mar ou água das nascentes da ilha para fazer uma pasta que aplica em máscaras faciais. Nos últimos anos, João Baptista e outros investigadores têm vindo a utilizar este material para desenvolver medicamentos naturais ligados à geomedicina e à geofarmácia» («Águas que curam», Ana Cristina Pereira, Público, 2.12.2019, p. 21).

      Vejamos estes. Bentonite está apenas no Dicionário de Termos Médicos, tal como geomedicina. Já quanto a massapez, nada, mas, curiosamente, o dicionário da Porto Editora acolhe massapé: «GEOLOGIA nome usado no Norte do Brasil para designar solos pretos argilosos, calcíferos». Ora, no Vocabulário Madeirense, de Fernando Augusto da Silva (Funchal: Junta Geral do Funchal, 1950, p. 78), lê-se: «Massapez — Terreno argilhoso e resistente, dando trabalho a sua cultura. Vid. “Terreno”». Sim, também regista salão: «Salão — Terreno avermelhado». Quer dizer, dicionarizamos brasileirismos e desprezamos termos nossos... Esmectítico e geofarmácia também não estão naqueles dois dicionários.

 

[Texto 12 404]

Léxico: «ópticas»

Ainda desconhecidas

 

      «Na frente, a grelha prateada não deixa margem para dúvidas que se trata de um Bentley. E se dúvidas houvesse, as óticas separadas, dois faróis — um maior e outro mais pequeno de cada lado — reforçam a imagem de marca» («Bentley Continental GTC – À altura do preço elevado», José Carlos Silva, Rádio Renascença, 2.12.2019, 17h09).

      Há anos que ouvimos falar em ópticas a propósito de automóveis, mas ainda não chegou aos nossos dicionários.

 

[Texto 12 403]

Léxico: «talim»

Mais uma confusão

 

      «Esta é uma espada de cerimónia em ouro, prata e aço, com um talim de veludo vermelho bordado que tem por fecho uma serpente cujos olhos são dois brilhantes» («Esta espada de D. Miguel voltou a casa», Lucinda Canelas, Público, 2.12.2019, p. 34).

      Saberemos o que é um talim? O dicionário da Porto Editora define-o mais ou menos como todos os outros dicionários: «cinturão em que se pode prender a espada; boldrié». Há uma imagem de uma espada com talim no Museu Virtual da Lusofonia, onde podemos ler: «correia a tiracolo, à qual se prende a espada ou outra arma. Fontes: Moraes, 1980, vol. V, p. 236; Bluteau, 1712-1728, vol. VIII, p. 27. RF». A definição no Aulete não difere muito desta. Com Bluteau, que nos diz que existe também a variante tali (que os modernos dicionários nos surripiaram), as dúvidas acabam: «É uma tira larga, ou espécie de correia, ou banda, que pendia do ombro direito para o lado esquerdo, até à parte em que se traz a espada à cintura.» Depois de um primeiro lexicógrafo ter começado a derivar, a acrescentar pontos, isto nunca mais parou.

 

[Texto 12 402]

Linguagem: «filha da... | filho dum...»

Não distorçam

 

   «Até quando se ataca alguém do sexo masculino se faz pelo feminino, “filho da...”» («“Deepfake”, a nova arma digital», Clara Soares, Visão, 28.11.2019, p. 69). Isso não é, evidentemente, verdade. Quantas vezes não se ouve «filho dum cabrão»? «— Ó filho dum cabrão! Julgas que a estrada é toda tua?» (Obras Completas, vol. 3, Urbano Tavares Rodrigues. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2014, p. 444).

 

[Texto 12 400]

Léxico: «troll»

Isso é pouco

 

      Nos últimos tempos, tenho visto várias tentativas de definir o estrangeirismo troll. Infelizmente, não guardei esses textos, mas este excerto que vou citar serve perfeitamente para mostrar a insuficiência da definição constante do dicionário da Porto Editora: «pessoa que participa em fóruns de discussão pública na internet com o único objectivo de perturbar o debate». Só em fóruns? Não. «Após ter denunciado trolls (agentes que publicam conteúdos ofensivos e calúnias para gerar respostas de fúria) pró-Kremlin, viu a sua morada e os seus dados de saúde expostos na internet e o deepfake que a apresentava como prostituta à caça de homens da CIA e da NATO» («“Deepfake”, a nova arma digital», Clara Soares, Visão, 28.11.2019, p. 69).

 

[Texto 12 399]