«Homo sapiens» tem plural?
O homem que (por vezes) sabe
«Eu poderia dizer que o texto de João Miguel Tavares podia servir de ilustração da definição de ideologia que dou no texto em cima; também podia apontar a contradição lógica de alguém que escreve “a minha carta a Greta Thunberg”, ao mesmo tempo que denuncia os que usam a popularidade da jovem sueca “para se porem em bicos de pés”. Mas aquilo a que fui mesmo sensível foi à declinação de homo sapiens no singular, quando a frase exigia o plural, isto é homines sapientes. Este pecado gramatical, esta insensibilidade filológica, é de longe muito mais grave do que o aquecimento climático. Digo-o não do lugar de um latinista, mas de quem não perdoa à escola que lhe coube em sorte, no seu tempo de aluno, os métodos miseráveis e bafientos do ensino do latim, o que só me faz aumentar o respeito por tudo o que já esqueci» («Livro de recitações», António Guerreiro, «Ípsilon»/Público, 6.12.2019, p. 2). O excerto do texto de João Miguel Tavares em causa era este: «Esta ideia de nos apoiarmos no legado de gente extraordinária remete para uma gratidão em relação ao nosso passado, e aos sacrifícios que foram feitos por milhões de homo sapiens que nos precederam, até atingirmos um nível de vida sem paralelo na história da humanidade» («A minha carta para Greta Thunberg», João Miguel Tavares, Público, 3.12.2019, p. 48).
Que exagero para aí vai, António Guerreiro. O que vejo logo é que João Miguel Tavares pelo menos usou o itálico, o que não fez no seu texto. Sim, homines sapientes é o plural de homo sapiens, mas atendamos ao contexto. A locução Homo sapiens designa uma espécie e, como tal, insusceptível de pluralização. (Neste ponto, também importava averiguar se em algum outro texto João Miguel Tavares a grafou Homo sapiens.) Todavia, como se pretendia referir um conjunto de espécimes do Homo sapiens, uma forma possível seria escrever «milhões de espécimes do Homo sapiens» ou algo semelhante. Jamais optaria — e eu também estudei Latim — por escrever homines sapientes, sob pena de trazer para um texto do século XXI alguma dessa miséria e bafio a que alude. Para terminar: nunca li em nenhum texto, científico ou não, português ou noutra língua, o plural homines sapientes para designar um conjunto de espécimes do Homo sapiens.
[Texto 12 426]