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Linguagista

Léxico: «silvopastorícia»

Outra clandestina

 

      «Há um ano, na sequência dos fogos de 15 de outubro de 2017, apresentaram uma candidatura a um programa do ICNF de apoio financeiro a projetos na área da silvopastorícia» («Rebanho de cabras ajuda casal a refazer a vida após fogos de 2017», Casimiro Simões, TSF, 8.12.2019, 18h51).

      Nos nossos dicionários, nem rasto. É, pois claro, mais uma palavra clandestina.

 

[Texto 12 436]

Léxico: «comparte»

Pois não

 

      «Ao abrigo de protocolos com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e os compartes dos baldios, recolhem os animais nos antigos currais e têm a possibilidade de os apascentar nos matos em redor» («Rebanho de cabras ajuda casal a refazer a vida após fogos de 2017», Casimiro Simões, TSF, 8.12.2019, 18h51).

      Exactamente. Ou seja, comparte não é somente, como se lê no dicionário da Porto Editora, «que ou a pessoa que toma parte em algum acto; cúmplice, parceiro, participante».

 

 [Texto 12 435]

Léxico: «agro-alimentação»

Em vão a procuramos

 

      «No seu conjunto, perspetivou, serão gerados pelo menos meio milhão de empregos até 2030 em Espanha, já que aos postos de trabalho a criar na criação e distribuição energias renováveis se adicionarão os de outros setores, como o dos transportes, da construção e da agro-alimentação» («Empregos na economia verde podem triplicar em Espanha em dez anos», TSF, 8.12.2019, 18h06).

      Está-se mesmo a ver: outra clandestina. Anda por aí em vários textos, mas não a encontramos em nenhum dicionário. Apenas o adjectivo agro-alimentar.

 

 [Texto 12 434]

Léxico: «complicação»

Engano, não é nova

 

      «O Grandmaster Chime — que possui dois mostradores e 20 “complicações” (outras funções além da hora e data), incluindo cinco funções acústicas — bateu o recorde anterior, de um Rolex Daytona, que pertenceu ao ator Paul Newman e que atingiu os 16,1 milhões de euros, em 2017» («A loucura pelo Patek Phillippe ­— mais caros que uma casa», Sónia Bento, Sábado, 21.11.2019, p. p. 71).

      Outra que não está nos nossos dicionários. Muitos anos antes destes relógios inteligentes, já Fernando Correia de Oliveira, autor do Dicionário de Relojoaria – O Universo do Tempo e dos seus Medidores (Lisboa: Âncora, 2007), nos ensinava que «todas as indicações de um relógio que não sejam assinalar as horas, minutos e segundos são consideradas “complicações” – cronógrafo, sonnerie, despertador, calendário perpétuo, fases de lua, etc. Há pequenas e grandes complicações e estas últimas estão nos relógios mais caros do mundo». Complicados são também os nossos jornalistas, que despejam indiscriminadamente aspas nos textos que escrevem.

 

[Texto 12 433]

Léxico: «unimaleolar | bimaleolar | trimaleolar»

Relativo a maléolo

 

      «Mal refeita da cirurgia à fratura trimaleolar, descubro que a grande irmandade do futebol e eu mesma temos mais em comum do que os sapatos. Outro futebolista famoso, e caro, sofreu uma lesão em campo semelhante à minha. Apercebi-me, pelos minutos que passei a ler “A Bola”, “O Apito” e outras publicações online nacionais e internacionais sobre a má sorte do André Gomes, que tinha uma “lesão terrível” e mesmo “horripilante”» («O Ronaldo, o André, o Paddy e eu», Clara Ferreira Alves, «Revista E»/Expresso, 9.11.2019, p. 3).

      Parece-me que Clara Ferreira Alves já falou da sua fractura em várias crónicas... Talvez o seu fito seja insistir até os nossos dicionários registarem unimaleolar, bimaleolar e trimaleolar.

 

[Texto 12 432]

Léxico: «inverneira»

O que já sabíamos

 

      «Sem gente há cerca de 15 anos, a inverneira de Pontes, em Castro Laboreiro, estava abandonada. Sozinho e sem apoio financeiro, Manuel Rodrigues, que passou uma década fora do país, já reconstruiu quatro casas. [...] Moravam lá várias famílias — os Fampas, os Tumbas, os Longos, os Valenças, os Soajos e os Chavarrigas —, que entre Dezembro e Março desciam da branda onde moravam no resto do ano para passarem o Inverno naquela inverneira do concelho mais a norte de Portugal. Consigo levavam o gado e alguns bens. De malas aviadas, cumpriam todos os anos esse ritual necessário para se protegerem das condições climatéricas agrestes da montanha, sem deixarem de continuar a garantir que o trabalho na terra continuasse a ser realizado» («Reconstruir a aldeia inteira com as mãos para não desaparecer», André Borges Vieira, Público, 8.12.2019, p. 13).

      Ou seja, ao contrário do que se lê no dicionário da Porto Editora, inverneira não é somente a «pastagem em zona de vale ou protegida, usada durante as estações frias».

 

[Texto 12 431]

«À vontade | à-vontade», de novo

Pois, mas não num crítico

 

      Se fosse só o volantim, já seria mau, mas há pior: «Com o seu humor sardónico apoiado numa erudição radiante, o australiano soube instalar-se em terras de Sua Majestade e pôr-se muito à-vontade, refinando nos jornais o seu tom insolente e desabusado, antes de chegar à televisão e tornar-se uma das mais reconhecíveis figuras da vida pública britânica» («Clive James», Diogo Vaz Pinto, Sol, 30.11.2019, p. 32).

      Este é um erro muito comum, sim, mas inesperado num crítico literário. Diacho. Expliquemos outra vez: nesta frase, não se deveria ter usado o substantivo à-vontade (descontracção), mas sim a locução adverbial à vontade (sem preocupação; negligentemente). Ficamos entendidos?

 

[Texto 12 430]

Tradução: «whirling dervish»

Não é preciso inventar

 

      «Certa vez escreveu: “Eis um livro tão aborrecido que um dervixe volantim poderia lê-lo para chamar o sono e adormecer sobre as suas páginas. Se o leitor se dispuser a recitar uma só destas páginas ao ar livre, o mais certo é que os pássaros despenquem dos céus e os cães caiam para o lado, mortos”» («Clive James», Diogo Vaz Pinto, Sol, 30.11.2019, p. 32).

      «Dervixe volantim» em tradução livre — e errada. Um whirling dervish, Diogo Vaz Pinto, é um dervixe rodopiante. Volantim é o artista que anda ou dança na corda bamba ou o criado que leva cartas ou notícias ao serviço do seu amo. Está tudo nos dicionários, não é preciso inventar nada. E mesmo aquele «despencar»... E as «reuniões de poemas», que não cito neste excerto? Quanto a escrever com propriedade, estamos conversados.

 

[Texto 12 429]