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Linguagista

Léxico: «hidraulicidade»

Para nos entendermos

 

      «A EDP quer 717 milhões de euros. Vai processar o Estado porque considera que tem direito às verbas do fundo de hidraulicidade. Fundo do quê? Se quer perceber melhor, leia o Miguel Prado. Mas, desde já lhe digo, o Estado considera que a história não é bem assim» («A impossibilidade de futuro é um passado glorioso», Jorge Araújo, Expresso Curto, 13.12.2019).

      Jorge Araújo, mas então não tinha de escrever «fundo de quê», para repetir a formulação? Estes pormenores são demasiadas vezes descurados. Adiante. É claríssimo que esta hidraulicidade não está em nenhum dicionário — o que compromete o entendimento do que se pretende dizer. A EDP (ver aqui) sabe o que pretende dizer: «Relação entre as afluências no período observado e as afluências correspondentes a um mesmo período no ano médio.»

 

[Texto 12 471]

Paciência de santo — e de santa

Concordem lá

 

      De 2018, mas ainda com o inebriante cheiro a tinta. Também nisto — e o toque? — os dispositivos electrónicos ficam a perder, ainda não se podem snifar. «[O avô Eduardo] Não gosta muito de conversar, embora adore ouvir-me contar coisas da escola. Resmunga com quase toda a gente, até com a dona Felicidade, que vai lá a casa fazer-lhe a comida e que, como diz a minha mãe, tem uma paciência de santo...» (Uma Vela à Janela, Maria Teresa Maia Gonzalez. Ilustração de Rita Duque. Lisboa: Zero a Oito, 2018, p. 7).

      Será mesmo que D. Felicidade tem paciência de santo? Nestes casos de religião e língua, prefiro seguir Frei Luís de Cácegas: «Nesta [doença], e em outras, que teve por toda a vida, mostrou paciência de santa, não sofrendo que por ela deixassem as religiosas de acudir aos ofícios divinos, e ficava de boa vontade só, porque elas não desacompanhassem o coro» (História de S. Domingos Particular do Reino e Conquistas de Portugal, Luís de Cácegas. Lisboa: Oficina de António Rodrigues Galhardo, 1767, 2.ª ed., p. 573, com actualização ortográfica minha). Parece-me evidente que tem de concordar em género, e acho muito estranho que nos tempos que correm, de assanhada luta pela igualdade, seja uma escritora a descurar este aspecto. Quanto à forma de tratamento «dona», prefiro-a sempre abreviada — e sempre em D. ou, vá, D.ª, ao contrário das quatro (!) formas reconhecidas pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras. Puro desnorte.

 

[Texto 12 470]

Léxico: «bitola métrica»

Falta a mais nacional

 

      «Jorge Almeida, presidente da Câmara de Águeda, não resistiu a fazer a primeira viagem para ‘afinar’ homens e máquina, deixando-se encantar pela E214, que é a única locomotiva em Portugal preparada para circular em via estreita (bitola métrica). [...] Nos inícios do século XX, a Linha do Vouga era uma das maiores e mais importantes vias férreas em bitola métrica (distancia entre carris de 1 metro) de Portugal. No dia 1 de janeiro de 1990, a linha ficaria irremediavelmente amputada e Viseu não mais veria o comboio passar» («“Vouguinha” a vapor regressa para dar nova vida a linha centenária», Júlio Almeida, Rádio Renascença, 12.12.2019, 14h18).

      Muito recentemente, o dicionário da Porto Editora passou a registar, e muito bem, bitola europeia e bitola ibérica — falta a mais nacional bitola métrica. É um trabalho interminável.

 

[Texto 12 469]

Léxico: «factualidade»

Pois, não chega, não

 

      «O Tribunal da Relação do Porto (TRP) confirmou a multa de 31.110 euros que a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) aplicou à corticeira Fernando Couto, da Feira, por assédio moral à operária Cristina Tavares. [...] No entanto, os juízes do TRP concluíram que a factualidade de onde se retirou o dolo já constava do auto de notícia» («Confirmada multa de 31 mil euros a corticeira por assédio moral a operária», Rádio Renascença, 12.12.2019, 17h10).

    Não é preciso reflectir aturadamente para perceber que a sucintez do dicionário da Porto Editora não contempla esta acepção do vocábulo factualidade. Reza assim: «qualidade ou condição de factual».

 

[Texto 12 468]

Léxico: «mília»

Nem pensar

 

      «Pequenos pontinhos brancos surgem-lhe na cara ou noutras zonas do corpo? Não são borbulhas, mas sim milia. Estes cistos de queratina formam-se na epiderme, assemelhando-se a pequenos montes brancos ou amarelos. São associados a bebés recém-nascidos, mas também ocorrem em crianças e adultos» («Não sabe o que fazer a esses pontinhos brancos na cara?», Leonor Riso, Correio da Manhã, 9.12.2019, 11h46).

      Nem pensar. Se até em livros (como, por exemplo, Lições de Pediatria, vol. II, Guiomar Oliveira, Jorge Saraiva (coord.). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017) e revistas especializadas se opta por mília, agora um jornalista escreve desta forma? Não, o caminho é sempre optar pela forma aportuguesada. Assim os lexicógrafos também o entendam e nos ajudem.

 

[Texto 12 467]

Léxico: «AIT»

Está na hora

 

      «Filha de Carlos Cruz desmente AVC do pai. “O meu pai não teve um AVC mas um AIT”» (Sol, 11.12.2019). Sigla que, diga-se, ainda não chegou ao dicionário da Porto Editora, isto quando é cada vez mais comum encontrá-la. Prossegue o Sol: «Um AIT é “uma outra forma de AVC de duração mais reduzida, inferior a 24 horas. Nestes casos, o entupimento da artéria cerebral é meramente transitório e os sintomas podem durar alguns minutos ou horas”, pode ler-se no site oficial da CUF. Segundo a instituição de saúde, um AIT pode ser o primeiro sinal de um AVC. “De facto, uma em cada cinco pessoas que apresenta um AIT irá sofrer um AVC extenso nos próximos três meses”, acrescentam.»

 

[Texto 12 466]

Léxico: «totoaba»

Uma iguaria

 

      «Não se pode falar do problema de sobrevivência das vaquitas sem falar de um outro animal marinho, o totoaba (Totoaba macdonaldi). A bexiga natatória — órgão semelhante a um balão de ar que ajuda os peixes a moverem-se em diferentes profundidades — deste peixe é uma iguaria muito apreciada pelos chineses, que acreditam nos seus poderes medicinais. Uma vez que a pesca do totoaba é ilegal no mar de Cortez, na costa oeste do México, o mercado negro chega a vender um quilo de bexigas natatórias deste peixe por 100 mil dólares (cerca de 90 mil euros). As redes, lançadas ilegalmente durante a noite por barcos de pescadores furtivos, apanham vaquitas, que acabam por morrer ao não conseguirem emergir para respirar» («A “cocaína do mar” está a matar as fugidias vaquitas-marinhas», Ana Maria Henriques, Público, 12.12.2019, p. 33).

 

[Texto 12 465]

Léxico: «alter-mundialismo | alter-mundialista»

Acho que os esqueceram

 

      «O “globalismo político militante” tem duas faces como Janus. De um lado os discípulos de Toni Negri e Michael Hardt e do seu alter-mundialismo marxista que aposta no efeito da globalização capitalista para destruir soberanias estatais, potenciar a concentração do capital, catalisar a proletarização das classes médias e derrubar ou capturar o centro do “império capitalista” à escala global» («A nova rebelião das massas», Carlos Blanco de Morais [professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa], Público, 12.12.2019, p. 14).

 

[Texto 12 464]

Léxico: «morna»

Com quem sabe

 

      «“A morna é uma prática musical que se estrutura em três dimensões: melodia, poesia e dança, caracterizando-se pelo compasso quaternário, ritmo lento e predominância dos esquemas tonais menores clássicos perfeitos de influência europeia”, lê-se ainda no processo. [...] Geralmente acompanhada por viola, cavaquinho, violino e piano, o “instrumento de excelência da morna” é o violão, introduzido em Cabo Verde no século XIX» («Morna de Cabo Verde já é Património Imaterial da Humanidade», TSF, 11.12.2019, 17h05).

      Ou seja, a Porto Editora tem aqui uma fonte privilegiada para reformular (e corrigir) a sua definição de morna: «1. canção popular de Cabo Verde, de andamento lento e carácter sentimental, interpretada ao som da viola e do cavaquinho; 2. dança popular executada ao som desta canção».

 

[Texto 12 463]

Léxico: «bioantropólogo | bioantropologia»

Já aí estão

 

      «A investigação, que “ainda está a decorrer”, é da Universidade de Évora (UÉ) e tem interesse porque, “para já, corpos mumificados não são frequentes em Portugal e, depois, em redor destes dois, há várias lendas”, disse esta quarta-feira à agência Lusa a bioantropóloga Teresa Fernandes, da academia alentejana» («As múmias da Capela dos Ossos. Segredos desvendados em Évora», TSF, 11.12.2019, 19h36).

 

[Texto 12 462]

Léxico: «tribuno»

É mentira!

 

      «O debate parlamentar sobre a Lei da Nacionalidade dividiu esta quarta-feira o hemiciclo entre esquerda e direita e motivou mesmo um incidente e discussão acalorada entre a deputada única do Livre, Joacine Moreira, e o tribuno democrata-cristão Telmo Correia» («“É mentira!” Lei da Nacionalidade gera conflito entre Joacine e Telmo Correia», TSF, 11.12.2019, 18h41).

      O tribuno Telmo Correia... Quão mal o jornalista conhece a língua — ou o deputado. A falar de política ou de futebol, o democrata-cristão talvez se empolgue, mas não empolga ninguém. Em suma, parece-me mais asténico do que demosténico. Tenho dito.

 

[Texto 12 461]