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Linguagista

E o plural de «curriculum» é...

Também não vejo desculpa

 

      «“Tinha a expectativa de que — quando aceitei o seu convite que muito me honrou — ao escolher uma direção de enorme valia profissional, diversa nos curriculuns, nas experiências e no género, formada por jornalistas com provas dadas da sua competência e rigor, de poder contribuir para prestigiar o serviço público de televisão e todos os que nele trabalham”, acrescentou Flor Pedroso, que termina agradecendo ao presidente da RTP, Gonçalo Reis, “pela forma sempre leal e frontal” com que foram “ultrapassando os problemas que iam surgindo”» («“Insinuações, mentiras e calúnias.” A carta de demissão de Maria Flor Pedroso», TSF, 16.12.2019, 14h31).

      Há-de ser para rimar com «puns». Não, Maria Flor Pedroso, o plural de curriculum não é «curriculuns». Não se devia dar à maçada de inventar o que já foi inventado: ou opta pelo plural latino, curricula, ou pelo plural português, currículos.

 

[Texto 12 489]

Léxico: «subvirar | sobrevirar»

Não vejo desculpa

 

      Ontem à tarde, na Avenida Ivens, o carro derrapou assustadoramente, e tinha carros à minha frente e aos lados (no mesmo sentido e em sentido contrário). Sabem agora que não morri. Sim, talvez eu tivesse cometido um pequeno deslize. Agora, no portal da Michelin (que, por acaso, não é a marca dos pneus do meu carro, que são da Pirelli), leio isto: «O que fazer se subvirar em vez de virar». (Eu sei, não era o caso.) Ora, o dicionário da Porto Editora, se regista subviragem (e sobreviragem), não regista subvirar (nem sobrevirar). Que distracções...

 

[Texto 12 488]

Léxico: «leixão»

Pois, assim não se sabe

 

      «O Estado, único réu no processo, responde pelo pedido de indemnização civil de 911 mil euros apresentado pelos familiares das cinco pessoas que morreram após o desmoronamento de um leixão (rocha grande), na manhã de 21 de agosto de 2009, na praia Maria Luísa, em Albufeira. [...] O desabamento do leixão — com 10 metros de altura, seis de diâmetro e um peso de várias toneladas — causou há 10 anos, na manhã de 21 de agosto de 2009, a morte de cinco pessoas que passavam férias no Algarve, quatro das quais da mesma família» («Advogados alegam “negligência grosseira” do Estado em derrocada na praia Maria Luísa», Rádio Renascença, 16.12.2019, 21h10).

      A definição de leixão no dicionário da Porto Editora é, no mínimo, ambígua: «penedo destacado junto à costa marítima». Junto à costa — mas na água ou em terra? Ah, pois, é essa a ambiguidade.

 

[Texto 12 487] 

Léxico: «chicla»

Não sei, não sou do Porto

 

      «Parece uma rosa-dos-ventos desenhada na calçada e atravessa-se no caminho quando calcorreamos a renovada Rua Fernandes Tomás. O cinzento do passeio, pintado aqui e ali com tampas de saneamento, é como que iluminado com a estrela branca, de pedra, desenhada à porta do número 925. Conceição Lima tem 83 anos e é a proprietária. [...] Conheceu o autor da obra há mais de 30 anos, conta que costumava oferecer-lhe um “chicla”. “É um rapaz que andava aqui a arranjar a rua, andaram aqui muito tempo e eu chamava-os para dar um chicla. Um chicla é um cálice de vinho do Porto, vinha um de cada vez mas sem o chefe. Uma ocasião o chefe apanhou-os e eu disse que isto de manhã não embebedava... Agora há pouco tempo passei perto do Prado Repouso e ouvi: “olha o chicla”, olhei e era um senhor que trabalhou aqui naquela altura» («A estrela da sorte que sobreviveu às obras na calçada no Porto», Rute Fonseca, TSF, 16.12.2019, 9h11).

 

[Texto 12 486]

«Porque», advérbio interrogativo

É bom lembrar

 

      A meritória oposição do jornal Público ao Acordo Ortográfico de 1990 não nos deve nunca levar a esquecer ou perdoar os erros que desde sempre se viram neste jornal. Um desses erros é a grafia errada do advérbio interrogativo porque, que meteram na cabeça — decerto mal aconselhados — que se escreve por que.  «Por que é que umas baleias são maiores do que outras?» (Teresa Sofia Serafim, Público, 16.12.2019, p. 34). Felizmente, ao contrário de há dez ou quinze anos, agora há mais gramáticas em que se ensina a grafia correcta. «O advérbio interrogativo introduz uma frase interrogativa parcial direta (frase A) ou indireta (frase B), especificando a natureza da informação que se pretende obter: causa (porque / porquê), tempo (quando), modo (como), ou lugar (onde)» (Conhecer a Gramática, Clara Amorim, Catarina Sousa. Porto: Areal Editores, S. A., 2017, p. 168).

 

[Texto 12 485]

Léxico: «explosividade»

Porto Editora, faz favor

 

      «Outro, de nome impronunciável, mas talvez o mais famoso desde que em 2010 causou uma crise no tráfego aéreo no hemisfério norte, é o vulcão islandês Eyjafjallajökull. Desde então, tem estado quieto, mas é dos que inspiram preocupações, dada a sua explosividade quando acorda» («Erupções vulcânicas. Quando os gigantes acordam sem aviso», Filomena Naves, Diário de Notícias, 14.12.2019, p. 30).

      Explosivität ou explosiveness, diz-nos a Infopédia. O dicionário de português é que, como tantas, demasiadas, vezes sucede, não diz nada.

 

[Texto 12 484]

Não demorou muito que...

Sobra aí uma coisinha

 

      «Em casa, a rádio estava sempre ligada e a música por toda a parte. Quando não ouviam rádio, os Dwights, a família materna, punham discos a tocar na radiola — normalmente jazz, mas também música clássica — e na casa havia um piano, que segundo parece Elton John começara a tocar muito novo, com apenas três anos. Não demorou muito a que os pais pusessem o menino-prodígio a tocar em casamentos ou serões de família» («Sir Elton John e o problema da mobilidade social», António Araújo, Diário de Notícias, 14.12.2019, p. 54).

      Hum, talvez seja melhor seguirmos Miguel Torga: «O pior é que não demorou muito que o Carvalheira esticasse também o pernil, e a cunhada, Deus lhe desse juízo!, não tratasse de pôr o sentido no Bernardino» (Contos, Miguel Torga. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2017, 6.ª ed., p. 149). Ou, entre os vivos, Lídia Jorge: «Mas não demorou muito que Eduardo Lanuit não entrasse no interior da casota do quintal onde se encontrava a condensação do seu mundo, e aí ficasse algum tempo, sem saber onde colocar o cheque proveniente de lugar nenhum» (O Jardim sem Limites, Lídia Jorge. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1995, p. 229).

 

[Texto 12 483]