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Linguagista

Léxico: «mauria | calinga»

Mau, Mauria!

 

      «No entanto, os governantes mauria estão no limiar da história visível. Asoka só foi devidamente identificado, como figura realmente histórica e não mítica, por um filólogo amador do século XVIII, chamado James Prinsep [1799–1840], que tinha como ocupação profissional gerir a casa da moeda britânica em Calcutá» (História do Mundo, Andrew Marr. Tradução de Manuel dos Santos Marques. Alfragide: Texto Editores, 2014, p. 140).

      Que sentido faz isto? Nenhum. Noutro texto, uma tradutora escreveu «Império Mauryan», deixando para o leitor o esforço de o pôr em português. Culpados também são, naturalmente, os dicionaristas. Porque não encontramos nos nossos dicionários o termo mauria (por vezes também se vê máuria), o que também contribui para estes erros? Ah, outra coisa: e porque não está calinga nos nossos dicionários?

 

[Texto 12 497]

Léxico: «scaleup»

Vai-se encontrando

 

      «A Unbabel, startup portuguesa que alia inteligência artificial com pós-edição humana para fazer tradução automática, foi distinguida como a maior scaleup (startups que já estão numa fase de crescimento e expansão mais acelerada) portuguesa em 2019, no ranking feito pela aceleradora de startups BGI em colaboração com o Instituto Europeu de Inovação e Tecnologia (EIT Digital)» («Unbabel eleita a maior scaleup portuguesa de 2019», Ana Pimentel, Observador, 11.12.2019, 16h44).

      Parece-me claro que dentro em pouco terá de ser registado nos nossos dicionários como estrangeirismo. É que já o ando a encontrar com alguma frequência. Ficará em boa companhia: já lá está startup, também usado neste artigo.

 

[Texto 12 496]

Léxico: «metadado»

Para peritos

 

      «O artigo do Guardian explicava que a operadora Verizon guardava informação como a data, hora e duração das chamadas, os números e a localização dos interlocutores (os chamados metadados) a pedido da Agência de Segurança Nacional, conhecida pela sigla inglesa NSA» («O dia em que a morte da privacidade saiu nos jornais», João Pedro Pereira, Público, 17.12.2019, p. 26).

      Com todo o respeitinho, devo dizer que a definição de metadado no dicionário da Porto Editora praticamente só serve para engenheiros informáticos ou para peritos: «Informação descritiva sobre um item ou uma informação; metainformação». (E não vos terá escapado que o verbete começa — como nenhum outro — com maiúscula.)

 

[Texto 12 495]

Léxico: «nanoverso»

Não estique as sílabas

 

      A tradutora avaliou mal as coisas: não dizemos multiverso? Então, diremos nanoverso para traduzir o inglês nanoverse. É que optar por «nanouniverso» faz lembrar a tal professora de Português (de Português, valha-me Deus!) que dizia «estendedal»...

 

[Texto 12 494]

Léxico: «cibervigilância»

Ninguém lhe escapa

 

      «A 7 de Junho, um dia após a primeira revelação, o Guardian e o jornal americano The Washington Post publicaram notícias com base num dos documentos que se viria a tornar dos mais famosos. Era uma apresentação de Powerpoint, com slides a detalhar o funcionamento de um programa de cibervigilância chamado PRISM [Planning Tool for Resource Integration, Synchronization, and Management]» («O dia em que a morte da privacidade saiu nos jornais», João Pedro Pereira, Público, 17.12.2019, p. 26).

      No dicionário da Porto Editora, o mais próximo é cibervadiagem — que é o que muitos dos meus leitores estarão a fazer neste mesmo momento.

 

[Texto 12 493]

Léxico: «anti-semitismo»

Fica-se na mesma

 

      «No passado dia 3 de Dezembro, o Parlamento francês aprovou por escassa maioria e em ambiente polémico uma resolução contra o anti-semitismo, adoptando a definição formulada pela IHRA — Aliança Internacional para a Memória do Holocausto: “O anti-semitismo é uma determinada percepção dos judeus, que se pode manifestar pelo ódio contra eles. As manifestações retóricas e físicas do anti-semitismo visam indivíduos judeus ou não e/ou os seus bens, instituições comunitárias e locais de culto.”» («“Quem afundou o Titanic? Iceberg, um judeu!”», Esther Mucznik, Público, 17.12.2019, p. 31). É com pena que o digo: quem consultar a definição de anti-semitismo (penso sobretudo nas crianças, o futuro da humanidade e o presente das nossas preocupações) no dicionário da Porto Editora (os cibervadios que o comprovem noutros) fica quase na mesma: «1. ódio aos Semitas; 2. sistema dos anti-semitas». Ah, os Semitas... Quanto sangue semita não correrá nas nossas veias? Sim, mas depois veio o sangue ariano-celto-ibero.

 

[Texto 12 492]

Léxico: «iglódromo»

Para juntar à lista

 

      «O futuro Centro de Exposições Transfronteiriço da Guarda vai ser construído no Parque Urbano — vulgarmente conhecido por Polis — na área onde está instalado o “Iglódromo”» («Centro de Exposições será no Parque Urbano do Rio Diz», O Interior, 13.12.2019). Está a revelar-se muito produtivo, ao que parece. Já aqui vimos, por exemplo, praxódromo, pescódromo, queimódromo, e até uns jocosos joelhódromo, cervejódromo e palmódromo. Entretanto, é claro, a noção do significado do elemento de composição -dromo perdeu-se quase completamente.

 

[Texto 12 491]

Léxico: «feito de»

Nova tentativa

 

      «Uma equipa de dez investigadores do Instituto Politécnico de Viseu (IPV) e da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro está a desenvolver um produto alimentar criado à base de insetos. A farinha de zângão foi criada há mais de um ano e já recebeu um prémio. A ideia partiu de um desafio feito a Paula Correia. [...] A farinha de zângão deverá começar a ser comercializada dentro de um ano, mas para que isso aconteça tem primeiro que ser concluído o registo deste produto no catálogo nacional de alimentos» («Pão e biscoitos feitos a partir de farinha de zangão», José Ricardo Ferreira, TSF, 17.12.2019, 9h31).

      O problema está, não na farinha de zângão (que tem «um ligeiro sabor picante» — vivos ou mortos, picam sempre), mas na fraseologia: basta escrever, José Ricardo Ferreira, «feitos de». O pior — pior, porque num dicionário, que vai permanecer por décadas e ser lido por muita gente — é que a Porto Editora também cai repetidamente no mesmo erro em várias definições. Já esta semana, na definição de «hemoderivado», por exemplo: «que ou substância que é produzida a partir do sangue ou dos seus constituintes». Ora, «feito de» é mais português, mais curto, mais lógico. Precisarão, acaso, de mais razões?

 

[Texto 12 490]