Léxico: «comonia | alcomonia»
Que trapalhada
«Encontre uma gastronomia que mistura os pratos tradicionais alentejanos com os típicos do Atlântico destacando os de peixe ou marisco, o arroz, as cataplanas, as massadas e caldeiradas, os pratos de caça, as açordas, migas e os deliciosos bolo das rosas, pastéis de batata-doce e as alcomonias e rebuçados de pinhão» («Grândola, naturalmente segura», «Fugas»/Público, 16.05.2020, p. 32).
O dicionário da Porto Editora não acolhe alcomonia, mas, valha a verdade, não remete, como outros fazem, erradamente, de alcamonia para alcomonia. Em alcamonia, diz que é o «doce feito de melaço e mandioca». Pois, não é o doce alentejano, mas, ao que parece (e a ortografia?), a sua versão brasílica, daí a mandioca. Seja como for, até a receita está muito incompleta: as alcomonias, uns doces achatados, em formato de losângulo, são feitas com farinha torrada, açúcar amarelo ou mel, pinhão e água. Como é que só a grafia desfigurada chegou aos modernos dicionários? Um mistério (por vezes chamado incompetência). Gonçalves Viana, nas suas Apostilas aos Dicionários Portugueses, diz-nos que esporadicamente aparece — o que também sucede com outros vocábulos — sem o artigo, comonia, e que foi usado na Memorável Relação da Perda da Nau Conceição, de João Carvalho Mascarenhas, datada de 1627. O Padre Bluteau também escreve que alcomonia «chamam no Minho um doce, que se faz de farinha e mel». Acrescenta que «diz certo crítico, que não viu em Braga esta casta de doce, como se Braga fora todo o Minho; porém, confessa que a vira em Lisboa, mas que é doce de gente baixa». Sempre houve e há-de haver críticos incompetentes e uma subespécie, os zoilos, que também por aqui surdem. (O Diabo os confunda a todos!)
[Texto 13 486]