Concelho ou município?
De quando em quando, convém, como já vos aconselhei, dar uma olhadela às cartas dos leitores dos jornais. Neste caso, trata-se da edição do dia 1 do corrente do Público, e o leitor é Luís Vidigal, de Santarém, que pontifica sobre o uso dos termos «concelho» e «município». Leiamo-lo: «Quando se fala da principal autarquia existente, está tão vulgarizado o abuso do termo “concelho”, que se impõe uma clarificação — sobretudo quando pessoas responsáveis anunciam diariamente que X “concelhos” confinam ou desconfinam. Acontece que não há palavras inocentes ou livres de conotações ideológicas: a Constituição de 1822 instituiu a “Câmara” para garantir o “governo municipal dos concelhos” (art.º 218.º), princípio reafirmado na Carta de 1826 (art.º 133.º) e na Constituição de 1838 (art.º 130.º). Foi a Constituição republicana de 1911 que garantiu a divisão do país em “Municípios” (art.º 66.º).
Só a famigerada Constituição de 1933 dividiu o território em “Concelhos” (art.º 124.º), fruto dum revivalismo nacionalista serôdio. O salazarismo, num saudosismo monárquico, consagrou mesmo a expressão “Paços do Concelho”. Borges Coelho identificou (Comunas ou Concelhos, 1973), um movimento “concelhio” como correia de transmissão do poder central. Felizmente, a Constituição de 1976 atirou para o caixote do lixo da História a salazarenta nomenclatura dos “Concelhos”, passando a existir em Portugal apenas “Municípios” (art.º 236.º). As tradições não são todas para venerar e os abusos de linguagem requerem correcção.»
Bem, não precisam de verificar: a Constituição não usa mesmo o termo «concelho». Daí a falar-se em conotação ideológica é que se me afigura já lunático. Suponho que isto só possa ser ponderado em concreto, não de forma abstracta. Assim, não sei se há câmaras municipais — até daquelas que são governadas por maiorias comunistas — em cujas páginas na Internet se não use o termo «concelho» em vez de «município». Como eu vejo as coisas, nem sequer são exactamente sinónimos. Seja como for, não posso deixar de concordar que, em alguns casos, se devia ter o cuidado de não confundir. Para começar, nos dicionários. A Porto Editora define assim concelho: «subdivisão do território sob administração de um presidente da câmara e das restantes entidades autárquicas; divisão administrativa imediatamente inferior à categoria de distrito; município». Um módico de rigor devia imperar pelo menos aqui.
[Texto 15 220]