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Linguagista

Ortografia: «jeremiada»

Seria ainda pior

 

      «À minha volta ouço grandes jeremíadas contra ex-amigos, até em público, azedumes, adjectivações. Mas é em relação aos ex-amigos que não devemos dizer nada, ou nada de negativo, cobertos como estão com o véu do pudor ou da mágoa. De certa forma, nunca dizer mal de um ex-amigo é uma maneira de, ao menos verbal e abstractamente, continuarmos amigos» («Por defeito», Pedro Mexia, «Revista E»/Expresso, 19.01.2024, p. 66).

      Vou citar o parágrafo final de um texto que, a propósito deste vocábulo, aqui publiquei em 2011: «Consultei, num assinalável excesso de zelo, doze dicionários apenas para concluir o que já sabia: só jeremiada existe. Lamente-se, pois, Rui Tavares na próxima crónica pelos erros da penúltima e da última, reflexo, decerto, de uma silabada. O vocábulo chegou-nos da língua francesa, jérémiade, que também tem, como nós, o respectivo verbo, jérémier/jeremiar. Foi forjado com base no nome do profeta Jeremias.» Nada mudou. Na altura, tinha sido Rui Tavares a usar, em duas crónicas, a errada acentuação, mas com esta inacreditável justificação: «Nota: sei que a maior parte dos dicionários indica que “jeremiada” se escreve sem acento, por influência da língua francesa, mas é intencionalmente que escrevo, como digo, “jeremíada”.» Onde estaríamos, como sociedade, se argumentássemos, sempre que quiséssemos dar vazão ao capricho ou à fantasia, conhecer bem a norma aplicável, mas que preferíamos divergir?

 

[Texto 19 271]