Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Linguagista

Infame e infamante

Então não é

 

      «Confesso que pensei bastante se devia ou não reagir ao descabelado texto que o primeiro-ministro publicou nas páginas do PÚBLICO na sequência da minha última crónica, que considerou “infame e infamante”, uma tautologia deveras curiosa» («A estranha República que vai comemorar os 50 anos do 25 de Abril», Ana Sá Lopes, Público, 28.01.2024, p. 32).

      E eu confesso que acho estranho que Ana Sá Lopes não tenha perdido cinco minutos a ponderar bem o caso, tempo mais do que suficiente para concluir inequivocamente que não há nenhuma tautologia no texto de António Costa.

 

[Texto 19 304]

Léxico: «ataque cardíaco | enfarte agudo do miocárdio | trombolítico»

Estranhas ausências, isso sim

 

      É verdade que numa das acepções de ataque se diz que é a «manifestação súbita e violenta de uma doença; acesso» e em ter/sofrer um ataque se explica que é o mesmo que «ser acometido de um mal súbito (crise nervosa ou convulsiva, enfarte, etc.), muitas vezes com perda de consciência», mas não chega a ser mais claro. E se procurarmos pela designação científica, enfarte agudo do miocárdio, também não a encontramos. O miocárdio está muito singelo e breve. Faltava essa dupla designação, a vulgar e a médica, e a explicação: que ocorre subitamente (daí o «ataque») quando a placa numa das artérias coronárias se rompe e provoca um coágulo, ficando assim a artéria obstruída, o que faz com que uma parte do músculo cardíaco deixe de funcionar por falta de oxigénio e nutrientes. (E é claro que falta uma acepção a trombolítico, Porto Editora.)

 

[Texto 19 303]

Léxico: «paliativo»

Sempre à frente

 

      «Portugal vai testar psicadélicos no tratamento da depressão em paliativos» (Tiago Ramalho, Público, 25.01.2024, p. 27). Ou seja, indo sempre — como deve ser — à frente dos dicionários, a realidade já impôs outro sentido para o termo paliativo: além do medicamento, tratamento ou conjunto de cuidados específicos para estes casos, designa o próprio doente que beneficia desses cuidados. Afinal, uma extensão não apenas lógica como muito comum.

 

[Texto 19 302]

Definição: «biobanco»

Desenvolvendo um pouco mais

 

      A Nova Medical School — que, pese embora o nome, não se situa em Nova Iorque ou em qualquer país anglo-saxónico, mas em Portugal — inaugurou no início deste mês um biobanco, um banco de amostras biológicas humanas. É a oportunidade de nós, aqui, enriquecermos a definição que encontramos no dicionário da Porto Editora: «BIOLOGIA colecção de amostras biológicas, armazenadas e organizadas para fins de investigação científica». Que amostras biológicas? Pois, é isso que interessa também saber. Essas amostras podem ser de sangue e seus derivados, osso e urina, etc.

 

[Texto 19 301]

Léxico: «proteassoma | macromolecular»

Qual compactador de lixo da célula

 

      Eu até pensava que já aqui tinha falado do proteassoma. Ai a minha cabeça, que já me esqueço de uma entre milhares de palavras... Não apenas não o encontro nos nossos dicionários, como já o vejo por aí deturpado. A descoberta deste sistema, uma estrutura macromolecular e tubular, que serve para decompor as proteínas, feita nas décadas de 1970 e 1980, deu, em 2024, o Prémio Nobel da Química ao trio de cientistas Aaron Ciechanover (n. 1947), Avram Hershko (n. 1937) e Irwin Rose (1926-2015).

 

[Texto 19 300]

Definição: «citoesqueleto»

É o melhor caminho

 

      Não seria melhor, em citoesqueleto, dizer-se que é predominantemente composto por filamentos de uma proteína filamentosa, a actina, e por estruturas tubulares que são criadas por uma proteína chamada tubulina? Estas ramificações, como que sinapses, dos dicionários têm a utilidade de dar pistas ao falante, ao leitor, que, de citoesqueleto, vai depois para actina e tubulina.

 

[Texto 19 299]

Democracia e língua

É só esperar

 

      A ortografia tem tudo que ver com democracia: ainda um dia as gramáticas e os dicionários reflectirão o que verdadeiramente acontece — o adjectivo extra não é invariável. Vá lá que os falantes, aquém e além-Atlântico, vão repondo a normalidade. «Spencer, o motorista da Uber, disse que a economia de dirigir um elétrico para um aplicativo pode não funcionar nos invernos de Chicago. “O pagamento é o mesmo, mas o custo para o motorista, com todos esses carregamentos extras, é muito maior.”» («Frio se torna arqui-inimigo de proprietários de automóveis elétricos nos Estados Unidos», Folha de S. Paulo, 20.01.2024, p. A20).

 

[Texto 19 298]