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Linguagista

As aspas onde não fazem falta

Então vamos ver

 

      «No final de janeiro, Rui Tavares afirmava algo diferente do que agora revelou. Recordo-vos, ou informo-vos, de uma sua declaração na rede social “X”: “O Livre não serve para viabilizar governos de Direita, mas para lhes fazer oposição.” Afinal não era rigorosamente assim. O Livre faz oposição ao mesmo tempo que entra em diálogo» («Rui Tavares em cima do muro», Carmo Afonso, Público, 1.03.2024, p. 40).

      Muito gostava eu de saber por que razão a cronista «Carmo Afonso» pespega aspas num nome próprio. Alguém tem um bom palpite?

 

[Texto 19 458]

Mais extras

Compreende-se porquê

 

      Despeço-me com mais estes, para que não se esqueçam: «Contas feitas, a mutualista contabiliza um encargo global anual bruto (expurgado de bónus, de despesas extras e de reformas) com os três principais gestores do grupo, Virgílio Lima, Pedro Leitão e Ferreira Teixeira, superior a um milhão de euros» («Presidente do grupo Montepio ganha meio milhão de euros por ano», Cristina Ferreira, Público, 14.02.2024, p. 24). «A síndrome de Down, que hoje ocorre em média em 1 a cada 700 bebês, é causada por uma cópia extra do cromossomo 21. Esta produz proteínas extras, o que pode implicar uma serie de alterações, incluindo defeitos cardíacos e deficiências de aprendizado» («DNA revela traços de síndrome de Down em ossos de bebês», Carl Zimmer, Folha de S. Paulo, 29.02.2024, p. B6). Não há um dia em que não se encontre um, se procurarmos. E até se não procurarmos. E porquê? Porque é a lógica da língua a sobrepor-se ao artificialismo.

 

[Texto 19 457]

Léxico: «debitómetro»

Para alguma coisa serviu

 

      As eleições são sempre momentos também de invenção vocabular. Mas quase sempre tão depressa nascem como morrem. «Rui Rocha tem percorrido imensos quilómetros com o ‘votocarro’ (um enorme autocarro pintado de azul e sempre muito vazio), para ações em que não se dá a conhecer nas ruas» («Liberais querem ser o viagra da AD, mas uma “caixa inteira”»,  Joana Ascensão, Expresso, 29.02.2024, 19h02). Invenção que já vem das anteriores legislativas. Muito diferente, e com outra lógica, é estoutro: «Debatómetro ⏱️. Um debate acabou antes do tempo, os outros tiveram uma hora de prolongamento» (Diogo Camilo, Rádio Renascença, 23.02.2024, 7h00). Que faz lembrar um que existe realmente e a Porto Editora não acolhe: debitómetro. Está num bilingue...

 

[Texto 19 456]

A linguagem inclusiva

Que alguém defenda a gramática

 

      «El Gobierno de Javier Milei prohibirá el lenguaje inclusivo y “todo lo referente a la perspectiva de género” en la Administración pública argentina, según anunció ayer el portavoz presidencial, Manuel Adorni. “No se va a poder utilizar la letra -e, la arroba, la -x y [se va a] evitar la innecesaria inclusión del femenino en todos los documentos”, detalló el funcionario. Después agregó: “Las perspectivas de género se han usado también como negocio de la política”» («Milei anuncia la prohibición del lenguaje inclusivo en la Administración», Constanza Lambertucci, El País, 28.02.2024, p. 8).

      Tem de vir a ultradireita a limpar a burrada da esquerda. É triste. Se querem melhorar o mundo, mudem a realidade, não a gramática. Veio-me à mente Manuel Inácio, na TSF, que cumprimenta sempre «os ouvintes e as ouvintes». Enfim, se fosse pago à linha sempre se compreendia, mas não é o caso.

 

[Texto 19 455]

Léxico: «talho | cristalizador | regueira»

Estamos nas salinas

 

      «A água chega a um primeiro tanque retangular cavado na terra e por aqui fica durante três ou quatro dias a evaporar por ação do vento e do calor. O que resta passa para um segundo tanque e deste para um outro, cada vez em menor quantidade, e a seguir para um quarto tanque e daqui, finalmente, para os talhos, ou cristalizadores, onde repousa ao sol e ao vento, já com muita concentração de sal invisível aos olhos, para se transformar em cristais – e assim se completa o mistério do sal» («O sal não é todo igual. Os chefs revelam as diferenças», Manuel Catarino, Diário de Notícias, 29.02.2024).

      Aqui, refere-se a salinas em Castro Marim, não sei se é assim em todo o País. A Porto Editora diz que talho é «cada um dos compartimentos em que, nas salinas, se recolhe o sal» e cristalizador o «compartimento das marinhas, onde se cristaliza o sal». Não é o que se infere do artigo. Se são mesmo sinónimos, não podem ter definições completamente diferentes. E em regueira bem se podia ter uma acepção que dissesse que são os canais que nas salinas distribuem a água pelos talhos.

 

[Texto 19 454]

Léxico: «beirada»

Não chega para os gastos

 

      «A reforma do Estado é central na agenda do desenvolvimento nacional. O governo Fernando Henrique Cardoso, com o ministro Luiz Carlos Bresser-Pereira, avançou muito. Lembremo-nos sempre. Assim como na questão tributária, propostas megalômanas na questão administrativa e de organização do Estado podem levar a feiosos monstrengos. Comamos, então, pelas beiradas» («Reforma administrativa pelas beiradas», Felipe Salto, O Estado de S. Paulo, 29.02.2024, p. A5). Não me parece que tenhas esta beirada, Porto Editora. E temos de ver que os dicionários brasileiros têm neste verbete mais do dobro das acepções.

 

[Texto 19 451]