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Linguagista

Léxico: «arco da governação»

Depois dá notícias

 

      «Muitas vozes defendem que a AD deve abrir o arco de governação ao Chega e que deve negociar mudanças estruturais para o país com este partido. O raciocínio é simples: demasiadas pessoas votaram no Chega para podermos pensar em estabelecer uma cerca sanitária ao partido. É um argumento pragmático» («“É preciso ter calma, não dar o corpo pela alma”», Carmo Afonso, Público, 13.03.2024, p. 40).

      Então, faz o seguinte, Porto Editora: vai aí para a rua, no Porto, ou, se não quiseres apanhar frio, nas tuas instalações de produção, e pergunta às pessoas se sabem dizer o que é arco da governação. Depois dá notícias. As pessoas só sabem se não lhes perguntarem, como é habitual.

 

[Texto 19 516]

Léxico: «tacha | tachão»

Não com este nome

 

      «Existem, porém, dispositivos desenvolvidos especificamente para demarcações temporárias de pistas enquanto obras estão em curso, segundo o engenheiro de tráfego Paulo Bacaltchuck. “A própria CET tem um vasto manual sobre o tema”, comenta. Chamado “Manual de Sinalização Urbana — Obras”, o documento descreve cones, cavaletes, placas, tachas e tachões que podem ser utilizados para alertar motoristas e pedestres, separar ou direcionar fluxos de veículos, entre outras funções» («Recapeamento bilionário multiplica ruas sem sinalização em São Paulo», Clayton Castelani, Folha de S. Paulo, 12.03.2024, p. B1). Ah, não, não temos estas tachas e tachões de sinalização viária. Vejam no Google. Comparadas com as diferenças lexicais e sintácticas entre o português europeu e o brasileiro, as diferenças ortográficas são nada. Daí a inutilidade e a estultícia do Acordo Ortográfico de 1990.

 

[Texto 19 515]

Léxico: «taupatia»

E faz falta

 

      «“Até agora não foi possível entender as alterações bioquímicas e celulares iniciais que levam à neurodegeneração em tauopatias (doenças neurodegenerativas, como as doenças Alzheimer, Parkinson e anti-IgLON5)”, contextualiza o investigador do Centro de Neurociências e Biologia Celular da UC (CNC-UC), Luís Ribeiro» («Cientistas portugueses recebem mais de 90 mil euros para investigar processos que levam à morte neuronal em doença autoimune rara», Catarina Ribeiro, Notícias da Universidade de Coimbra, 7.03.2024). Tanto vejo esta grafia, tauopatia, como taupatia. Como vejo, aliás, noutras línguas, como em francês, tauopathie/taupathie. Contudo, nem chego a compreender a necessidade ali de uma vogal de ligação. Para quê? Não estar nos nossos dicionários só faz mal, porque dá azo a todas as arbitrariedades e opiniões de pessoas que não estão qualificadas para tal.

 

[Texto 19 514]

Léxico: «cacifar»

Ah, sim, mas não este

 

      «Boulos, que saíra à frente, retém 30% das preferências dos eleitores no principal cenário; Nunes, que deve estar sorrindo de orelha a orelha, cresceu e bateu nos 29% (e ainda aparece com uma rejeição menor que a do adversário); já a deputada federal Tabata Amaral (PSB), que busca cacifar-se como terceira via, não está conseguindo ganhar tração, ficando com 8% ou 9%» («Polarização dá tom em São Paulo», Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo, 12.03.2024, p. A2).

      É verdade que acolhes o verbo cacifar, Porto Editora, mas não neste sentido, que vejo com frequência na imprensa brasileira — que leio todos os dias. Todos. 

 

[Texto 19 513]

Sete, trinta, cem...

Variantes ou maluquice?

 

      Quando eu disse que eram sete cães a um osso (como digo desde sempre), o meu interlocutor replicou logo: «“Cem cães a um osso”, quer você dizer.» A conversa ficou por ali, até porque nunca discuto com teimosos, o que os deixa fulos, mas agora vejo que a Porto Editora também diverge: trinta cães a um osso. Se a ideia fosse meramente mostrar que eram muitos a pretender o mesmo, bem podia ser então «mil e um», mas não: sete é um número altamente simbólico, presente em muitos ditos populares portugueses. Aliás, já vem da Antiguidade clássica. Não percebo os trinta nem tão-pouco os cem. Expliquem-se, expliquem-me.

 

[Texto 19 512]

Léxico: «mindinho»

E agora um mistério

 

      «Até àquele momento, perdera dois dedos da mão esquerda e o mindinho da direita, mas só o mindinho do pé direito contra três dedos do esquerdo» (A Dança dos Dragões, George R. R. Martin. Tradução de Jorge Candeias. São Pedro do Estoril: Saída de Emergência, 2014, p. 122). Ora, quase todos os dicionários dizem que mindinho é um dedo da mão, não da mão ou do pé. E, contudo, não faltam livros, e não só traduções, em que se menciona o mindinho do pé.

 

[Texto 19 511]

Ortografia: «sovkhoz, sovcoz»

Leu, mas mal

 

      «Longe vão os tempos em que o PCP me obrigou a soletrar a diferença entre suvkhozes e kolkhozes na faculdade de Direto. Era isso ou o chumbo. Longe vão os tempos em que a sua autoridade se impunha e era difícil, quase impossível, combatê-la sem custos gravosos e sem punição. Sem medo. Para tudo acabar assim, às mãos de André Ventura, que não renega os métodos do leninismo. Para acabar perdendo as fortalezas do passado glorioso. Perdendo o Sul» («A morte dos comunistas», Clara Ferreira Alves, Expresso, 11.03.2024, 12h53). Está bem, temos pena — mas não aprendeu bem a lição, porque é sovkhoz, ou, aportuguesado, sovcoz. No meu caso, foi na revista Vida Soviética, de que chegou a ser director Manuel Alberto Valente, que aprendi a diferença. Aliás, lia tudo o que me aparecia pela frente, em que se incluíam as Selecções do Reader’s Digest, com que a Vida Soviética pretendia concorrer, ou a revista da John Deer. Ler salvou-me.

 

[Texto 19 510]