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Linguagista

Léxico: «homógrafo | homófono»

Agora sem palas

 

      Salvo melhor opinião, recomendar-se «dragão-fêmea» como feminino de «dragão» não me parece digno de um linguista com os pés assentes na terra. Vejamos: tratando-se de um animal fabuloso (um monstro, dizem os dicionários, mas o certo é que há milhares de livros infantis com dragões, ou genuinamente simpáticos ou convertidos — o que se vê pouco entre os humanos), por que raio lhe pespegamos com aquele «fêmea»? Mais: argumentar-se que «dragona» não podia ser, porque é um termo já tomado para significar os galões que os oficiais usam com o uniforme de gala, é simplesmente patético. Estarão a falar da mesma língua, com milhares de homógrafos e homófonos? (Porto Editora, não são apenas adjectivos!) Acresce que a par de dragão temos também drago, pelo que facilmente se chega aos femininos dragona e dragoa. (Na verdade, também temos dracena e dracina.) Em francês, por exemplo, não existe dragon, masculino, e dragonne, feminino? Vou, pois, pôr aqui uma personagem, numa tradução, a dizer que não lhe «interessam Madonas nem dragonas».

 

[Texto 19 608]

Léxico: «ao calha(s)»

Não te calhou, não é?

 

      «Organizaram-nos em magotes, ao calhas. Malas às costas, atravancaram-nos num autocarro, que arrancou para o lar dos ferroviários. Ali serviram sopa quente, salada, pão e água. De volta à estação, mandaram-nos entrar num comboio, onde ficámos até às cinco da manhã. Consegui lugar sentado. Amodorrei-me» (Os Dias do Fim, Ricardo de Saavedra. Alfragide: Casa das Letras, 2014, 3.ª ed., p. 397). Sim, é verdade, também se usa ao calha, mas isso não é para mim. É como se ficasse a meio de qualquer tarefa. snʇdnɹǝʇuᴉ snʇᴉoɔ.

 

[Texto 19 607]

Léxico: «rubisco»

Se alguma coisa, isto

 

      «Ricardo Boavida Ferreira está convicto de que sem pesticidas haverá fome na humanidade, mas não perde de vista a proteína perfeita. E é aí que entra em cena a robisco, que está presente em quase todos os vegetais, mas nem sempre se revelou de fácil extração – até que investigadores do ISA e da startup Nprotein trouxeram algo potencialmente transformador» («“Há muita gente que se preocupa com a alimentação, mas não compra pão de mistura ou arroz integral para entrar fibra no corpo”», Hugo Séneca, Expresso, 26.03.2024, 15h43). Começou por ser um acrónimo e agora é palavra plena — mas em todo o lado a vejo escrita com u, rubisco.

 

[Texto 19 606]

Léxico: «crato-branco | crato-tinto»

Não seria desonra, mas não

 

      «Hoje, fazem parte daquilo que considera o “renascimento dos vinhos algarvios”, muito impulsionado pelo enoturismo crescente na região. “Acaba por ser uma fonte de receita muito importante para nos ajudar a financiar o investimento que estamos a fazer nas vinhas”, explica o produtor que em 2021 decidiu plantar outras castas como a Arinto e Malvasia, além das tradicionais algarvias (Negra Mole, Crato Branco e Castelão)» («Uma herdade a agitar as águas — e os vinhos — do Algarve», Clara Silva, «Fugas»/Público, 10.03.2024, p. 16). Apenas acolhes crato, Porto Editora: «casta de uva, especialmente do Sul de Portugal». Assim, tal como fizeste quando te sugeri a casta donzelinho, tens de registar crato-branco e crato-tinto. (Enganam-se, não mudei de opinião: o nome da casta é efectivamente com maiúscula que se tem de grafar, mas não assim a uva.)

 

[Texto 19 605]

Léxico: «cabinado»

Se calhar está na hora, não?

 

      «“Embarcações que embora sejam pequenas cabinadas é prudente que a tripulação tenha, efetivamente, o colete envergado por questões de segurança. Efetivamente, o que a lei prevê é que na atividade de pesca, aí sim têm que ter o colete envergado porque estão a exercer uma atividade, naquele caso mais próximo da borda do navio, e isso é o que a lei prevê em termos de segurança”, explica [o capitão do Porto de Setúbal, comandante Serrano Augusto]» («Retomadas buscas para encontrar desaparecidos de naufrágio perto de Tróia», João Cunha e Olímpia Mairos, Rádio Renascença, 8.04.2024, 8h22). (Na RR nem sonham, ou têm pesadelos com isso, que, com o AO90, que seguem intermitentemente, o topónimo se escreve Troia, pois o ditongo tónico oi das palavras graves deixou de ser acentuado. Pois, é isso: a ignorância da lei não aproveita a ninguém.)

 

[Texto 19 604]

Léxico: «heteroestrutura | heterointerface | submicrométrico»

A morte da analogia

 

      «O grande marco do físico alemão foi o desenvolvimento de hétero-estruturas de semicondutores, ou seja, um novo modelo que se tornou essencial para lasers mais avançados e para criar transístores mais rápidos. [...] O trabalho de Herbert Kroemer, iniciado nas décadas de 1950 e 1960 (e aprimorado nas décadas seguintes), refinou a ideia de um circuito integrado, à época menos abundante. Ao invés de usar um único material semicondutor, a proposta do físico alemão era criar hétero-estruturas, ou seja, estruturas com diferentes filmes finos de semicondutores de espessuras submicrométricas, que cresciam por epitaxia (um crescimento cumulativo e ordenado), tirando partido das hétero-interfaces» («Herbert Kroemer (1928-2024), o físico que abriu a auto-estrada do mundo digital», Tiago Ramalho, «Público, 7.04.2024, 7h52).

 

[Texto 19 603]