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Linguagista

Léxico: «desmotivador | cê-cedilha»

Assim não

 

      Talvez pensassem o contrário, mas só sou adepto de fazer palavras-cruzadas há escassas semanas. O que posso garantir é que nunca serei adepto da pesca à linha. Sim, já pesquei. Palavras-cruzadas, então: não raro, têm erros estúpidos e desmotivadores. Ontem, e refiro-me às palavras-cruzadas do Expresso, a 12 horizontal era «prenúncio de algum perigo». Com cinco letras? Canja: ameaça. Cruzada com esta, a 5 vertical era «ave de rapina». Quatro letras e tem um cê-cedilha? Açor. Mas o ominoso cronómetro não parava. Pedi a verificação da letra correcta onde eu escrevera «ç». A solução era c, ou seja, «ameaca» e «acor». Vou ter de encontrar formas menos parvas de perder tempo.

 

[Texto 19 704]

Léxico: «madrastidade | novercal»

Nem todas más

 

      Inês Neves Rosa e Mariana Dimas, autoras da obra A Minha Madrasta (Porto Editora, 2024), elas próprias enteadas e agora madrastas, estiveram anteontem no Portugal em Directo da RTP1. A escritora, Inês Neves Rosa, usou um neologismo que, na minha experiência, que nunca fui enteado nem sou, para já, padrasto, já se vai tornando veterologismo: «madrastidade». O objectivo, ao que parece, é contribuir para derrubar a ideia de que as madrastas são sempre más, que são todas más, ideia veiculada sobretudo, diga-se, pela literatura infantil e por alguns filmes. Não dizia já Ovídio, nas Metamorfoses, que «as aterradoras madrastas misturam pálidos venenos»? Está bem, se querem em latim, cá vai: «lurida terribiles miscent aconita novercae». Sim, à letra seria «as lúridas madrastas misturam acónitos terríveis». O acónito é uma planta venenosa, mais conhecida, por cá, como mata-cão. O termo latino para «madrasta», que é noverca, a esse perdemo-lo, mas temos derivados, como novercafobia, que é a aversão à própria madrasta, e o adjectivo novercal, relativo a madrasta, que a Porto Editora encafuou em alguns bilingues.

 

[Texto 19 703]

Léxico: «germano-russo | pro bono»

Pois não seria

 

      Estamos no 1.º de Maio, Dia do Trabalhador, e cá estou eu a trabalhar. Para vocês todos, pro bono. (É impressionante que a Porto Editora acolha a expressão pro bono pacis, que nunca aparece, e não registe pro bono, que se encontra várias vezes na imprensa ao longo do ano.)

      «O exemplo mais recente remonta apenas a 18 de abril. Dois homens, russos e alemães, foram acusados de planear atos de sabotagem para Moscovo, inclusive numa base militar dos Estados Unidos, para minar a ajuda alemã à Ucrânia» («Foi uma “ideia estúpida”: antigo oficial alemão julgado por espionagem para a Rússia», Expresso, 29.04.2024, 18h01). Isto é a Lusa a escrever. Nos jornais, limitam-se a colar e publicar. Bonito serviço. Bem, digamos que hesitamos uma fracção de segundo quando lemos «dois homens, russos e alemães». Se escrevessem «dois homens, germano-russos», não havia hesitações. E não seria má ideia estar no dicionário.

 

[Texto 19 702]