Léxico: «passeável»
Não era a última
«Casado e pai de dois filhos na casa dos 30 anos, não carrega neles a sombra de terem de assumir aquela que é a sua paixão. Não que esteja perto de a largar – “ainda hei de conseguir fazer umas coisas”. Como o quê? Pergunto-lhe já quase a terminar o encontro. “Gostava que a Quinta dos Abibes fosse passeável”, dispara imediatamente. Depois explica a palavra “que não existe”: “que fosse um local onde as pessoas quisessem ir dar um passeio, passar um bom dia, passear, desfrutar em contacto com a natureza, ter uma refeição simples e acompanhar a atividade. Gostava que a Quinta dos Abibes fosse um destino aprazível”» («Francisco Batel-Marques, um produtor de espumante que quer a Quinta dos Abibes passeável», Joana Petiz, «DN+»/Diário de Notícias, 19.02.2022, p. 27).
Não existe? Não existe... Para começar, não me parece a pessoa mais qualificada para falar sobre a língua. («Para fazer o vinho, pus-me nos pés do consumidor e imaginei o que gostaria de saborear.») Como afirma Manuel de Paiva Boléo, com alguns verbos usáveis como inergativos é possível a derivação em -vel: assobiável, passeável, rimável. Destes três, curiosamente, o VOLP da Academia Brasileira de Letras acolhe o último. Para terminar, passeável existe, é usado até na literatura. Mas compreendo, é a força legitimadora da presença dos vocábulos nos dicionários.
[Texto 19 876]