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Linguagista

Definição: «hipoteca | penhora»

Afinal não era

 

      «Quando Piers Morgan lhe perguntou onde morava atualmente, o protagonista da série “House of Cards” revelou que a mansão onde tem vivido em Baltimore (EUA) “está a ser embargada”, e que, apesar de ter evitado a falência, não tem “dinheiro nenhum”» («Kevin Spacey. Ator está falido e em risco de ficar “sem casa para viver”», Sara Oliveira, Jornal de Notícias, 14.06.2024, p. 39). Embargada, tem a certeza, Sara Oliveira? A NBC News, por exemplo, escreve: «Spacey broke down as he revealed his house in Baltimore is being foreclosed on.» Hipotecada, afinal.

      Aproveitemos para melhorar a definição de hipoteca, porque tudo e sempre é melhorável. Lê-se no glossário dos Serviços Digitais da Justiça que já aqui tenho citado: «Direito real de garantia através do qual o devedor confere ao credor a faculdade de ser pago de preferência a outros, relativamente a um bem imóvel ou móvel equiparado, tendo em vista assegurar o cumprimento de uma obrigação até que esta, na totalidade, esteja satisfeita. Significa que, em caso de incumprimento, o bem hipotecado é o primeiro a responder pela dívida.» Na verdade, a precisar mesmo de ser melhorada, e mesmo corrigida, está a definição de penhora, Porto Editora, que tanta gente confunde com outros institutos jurídicos.

 

[Texto 19 918]

Léxico: «sã | facoquero | javali-africano»

Mais três

 

      «Anthony Bourdain era um tipo que encarava qualquer comida. No episódio cinco da terceira temporada de “No Reservations”, ele vai à Namíbia e acompanha um grupo de homens do povo sã na caçada ao facocero, também chamado javali-africano —os fãs de “Rei Leão” devem conhecê-lo por Pumba ou hakuna matata» («Quem tem medo da comida de rua indiana?», Marcos Nogueira, Folha de S. Paulo, 15.06.2024, p. B8).

      Quanto a nesta acepção, temo-lo, por exemplo, no Michaelis. A Porto Editora não acolhe facocero, mas sim fachoqueiro. Mas, como ninguém é perfeito, num bilingue regista facoquero, que depois não leva para o dicionário geral.

 

[Texto 19 917]

Como se escreve por aí

Como se fosse o mesmo

 

      «Agora, há certos tipos de milagre nos quais não acredito: as profissões de jornalista e de político nunca deixarão de ser divergentes, conflituosas e incompatíveis enquanto o trabalho dos primeiros for vigiar a acção dos segundos. Convidar políticos para conselheiros de um canal de notícias faz tanto sentido quanto convidar directores de jornais para o Conselho de Ministros» («Canal Now: os políticos como estrelas e como conselheiros», João Miguel Tavares, Público, 15.06.2024, p. 56).

      Havia de querer dizer «conflituantes», mas já se sabe como é: por vezes é o que sai e não se relê.

 

[Texto 19 916]

«Extra», adjectivo variável

Quem faz a língua?

 

      «Na madrugada de 30 de março, o ‘barman’ regressou a casa com a carteira mais cheia do que o habitual. Como o CM noticiou ontem, tinha recebido, em dinheiro vivo, por trabalhos extras» («Homicida segue vítima para autocarro e senta-se atrás», Miguel Curado, Correio da Manhã, 14.06.2024, p. 14). «A história de dois médicos e de um total de mil horas extras cumpridas este ano. Agora basta, dizem» (Diário de Notícias, 8.10.2023, p. 1). «INEM bate picos históricos de casos e enfermeiros fazem milhares de horas extras» (Ana Mafalda Inácio, Diário de Notícias, 23.08.2022, p. 4). «Taxa sobre lucros extras ganha adeptos no PS» (Liliana Borges e Sónia Sapage, Público, 13.09.2022, p. 12). «O pagamento das horas extraordinárias sobe em 50%, a partir das cem horas: mais 50% pela primeira hora; 75% por hora ou fração subsequente em dia útil; 100% por cada hora ou fração em dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar ou em feriado» («Horas extras», Diário de Notícias, 10.10.2022, p. 5). «Segundo um artigo do jornal Observador de 7 de outubro, o Bloco de Esquerda está a tentar aplicar um “memorando de austeridade” (ou, para usar o termo oficial, um “roteiro para o reforço do autofinanciamento”), que passa pela subida das quotas anuais de €15 para €25 e pela possibilidade de as distritais cobrarem quotas extras para manter as sedes regionais abertas, além da entrega ao partido das senhas que os vereadores e os deputados municipais e de freguesia recebem por participarem em reuniões e assembleias» («Catarina, a Grande (a despedir)», Marco Alves, Sábado, 13.10.2022, p. 15). «Mais um ano letivo e mais uma greve às horas extraordinárias lançada pela Fenprof. Tudo porque as escolas querem impor horas extras a professores já carregados de trabalho. E o ministro a assobiar para o lado» («Burros de carga», António José Vilela, Sábado, 13.10.2022, p. 45). «Os trabalhadores do INEM podem ter de fazer mais 20% de horas extraordinárias até final do ano do que o previsto na lei para dar resposta ao aumento da atividade operacional, estipula uma resolução do Governo, ontem publicada» («Horas extras no INEM para responder à procura», Jornal de Notícias, 26.11.2022, p. 12). «SIRESP impõe serviços extras às empresas para manter rede de comunicações a funcionar» (Mariana Oliveira, Público, 19.12.2022, p. 17). Ah, sim, e também no Brasil: «Bolsa Família, Saúde e Educação terão maior parte de recursos extras», Victoria Azevedo e Idiana Tomazelli, Folha de S. Paulo, 13.12.2022, p. A14.

 

[Texto 19 915]

Léxico: «brogue»

Mas são diferentes

 

      «Costumava observá-lo a cortar a relva do nosso quintal no pico do Verão calçando uns brogues e usando suspensórios e um chapéu fedora de aba curta, com as mangas da camisa cuidadosamente enroladas para cima» (Becoming: A minha história, Michelle Obama. Tradução de Margarida Filipe, Patrícia Xavier, Ester Cortegano, Isabel Veríssimo e Lucília Filipe. Lisboa: Objectiva, 2018, p. 84). Só que este brogue, um tipo de calçado feito de couro grosseiro, é um termo inglês. Assim, devia estar grafado em itálico. Já o brogue que se segue é termo do português do Brasil que designa a pancada na cabeça com os nós dos dedos, um carolo: «Resistia fielmente. Falava de um modo vago, quase louco. Não confiava em médico algum, ou ninguém. Acabaria perdendo a paciência e dando uns brogues na filha» (Sob o Signo da Chuva, Márcia de Almeida. Rio de Janeiro: Editora Codecri, 1979, p. 28).

 

[Texto 19 914]

Como se escreve por aí

A má onda

 

       «Não é só Trump quem não fala aos jornais liberais, como o ‘Washington Post’ ou o ‘New York Times’. Biden também não. Têm isso em comum. Em três anos e meio, o presidente Biden não deu uma só entrevista a jornalistas que colocam questões difíceis» («TV substitui aparelho partidário», Eduardo Cintra Torres, «Boa Onda»/Correio da Manhã, 3-9.05.2024, p. 50). Também Eduardo Cintra Torres não resiste a «colocar questões». Não quer perder a onda. A má onda.

 

[Texto 19 913]