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Linguagista

Léxico: «microgestão | microgestor | macrogestão | macrogestor»

Amanhã há mais

 

      «O ex-secretário de Estado da Saúde remeteu-se ao silêncio, mas alegou que nunca disse que “não tinha reunido com o filho do Presidente da República”. Quem é que tinha a responsabilidade de autorizar o tratamento com um custo total de quatro milhões de euros? Antigo governante não quis revelar, afirmando apenas que o tema “pertence à microgestão do hospital. Não interfere com a Secretaria de Estado da Saúde. Não é o medicamento mais caro do mercado. Essa questão não vai à tutela, é da responsabilidade do hospital”» («“Direito ao silêncio” marca audição de Lacerda Sales no caso das gémeas», Vítor Moita Cordeiro, Diário de Notícias, 18.06.2024, p. 8).

      Se microgestão fosse apenas o que os nossos dicionários dizem, isto não faria sentido. Ainda que Lacerda Sales não seja nenhum modelo no uso da língua, não usou aqui o termo num sentido que eu não veja em certos textos. Ou seja, no caso em apreço, não se trata de um estilo de gestão, mas antes da gestão corrente, do dia-a-dia, de uma instituição, que não da gestão estratégica, ou macrogestão. Repare-se que também se usa o termo microgestor (e macrogestor, pois claro).

 

[Texto 19 936]

Léxico: «fazer a barba | dar um bigode»

Não andamos longe

 

      «Chego mesmo a ter saudades da vida miserável, mas mexida, que levava quando era chofer em Lisboa, a fazer a barba aos outros carros, a ultrapassá-los, à má cara, se não fosse a bem, guina à direita, torce à esquerda, trava, acelera, para passar antes de o sinal ficar vermelho. Cada corrida! Um regabofe!» (Imitação da Felicidade, Urbano Tavares Rodrigues. Lisboa: Publicações Europa-América, 3.ª edição revista, s/d, p. 26).

      É o mesmo que dar um bigode, mas, neste sentido, também não o encontramos no dicionário da Porto Editora. Qualquer dia, vai ser preciso tirar uma pós-graduação para podermos ler qualquer obra com mais de trinta anos. (Barba, bigodes... Só falta a pila. Não são expressões idiomáticas para feministas assanhadas, está visto.)

 

[Texto 19 935]

Léxico: «ácido nítrico»

Deve ser isso

 

       «A principal aplicação do ácido nítrico é na produção de fertilizantes agrícolas. Além destes usos, o ácido nítrico, em várias concentrações, é utilizado para fabricação de corantes e explosivos. É fumegante em contacto com o ar, e os seus vapores são extremamente tóxicos. É também corrosivo, podendo causar queimaduras e manchas amareladas na pele» («Para que serve este líquido», Marta Neves, Jornal de Notícias, 15.06.2024, p. 6).

      Pelos nossos dicionários, só ficamos a conhecer a fórmula química do ácido nítrico. Devem achar que mais informação iria fritar-nos os neurónios.

 

[Texto 19 934]

Léxico: «pular fora»

Diz-se no Brasil

 

      «Pelo que leio nos jornais, o famigerado PL Antiaborto por Estupro vai para a geladeira. A repercussão negativa da proposta foi de tal ordem que os deputados do centrão que ajudaram a aprovar o regime de urgência pularam fora» («Batalha de metáforas», Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo, 18.06.2024, p. A2).

 

[Texto 19 933]

Etimologia: «neandertal»

Isso é que era

 

      «Depuis sa découverte en 1856, dans la vallée (“thal”, en allemand) du Neander, près de Düsseldorf, en Allemagne, un grand nombre de fossiles ont été mis au jour. Il est donc possible de reconstruire son origine, son évolution et de le situer géographiquement et chronologiquement. Neandertal est le premier Européen : son histoire évolutive commence il y a 400 000 ans mais, une fois qu’il a acquis ses caractères définitifs, vers 130000 ans, il sort de son berceau européen et arpente de nouveaux territoires, notamment le Proche-Orient, le Caucase et il s’enfonce vers l’Asie centrale [diz, em entrevista, a paleontóloga Silvana Condemi]» («Silvana Condemi : “Le risque pour le Covid-19 est hérité des Néandertaliens”», Marie-Laetitia Bonavita, Le Figaro, 18.06.2024, p. 16).

      Era bom que os nossos dicionários em neandertal dessem esta informação de natureza etimológica.

 

[Texto 19 932]

Léxico: «tortura branca»

Talvez desconheçam

 

       «A tortura branca consiste em submeter os prisioneiros a confinamento solitário durante semanas, meses e até anos, sem poder distinguir se é dia ou noite, em silêncio absoluto, privados de qualquer contato com familiares ou advogados» («Nobel da Paz denuncia ‘tortura branca’ contra mulheres presas no Irã», Patrícia Campos Mello, Folha de S. Paulo, 19.06.2024, p. A16).

 

[Texto 19 931]

Como se escreve por aí

E nós, ficamos de fora?

 

      Ser-se feminista implica então repelir logo à partida metade dos potenciais leitores? Assim não vai converter ninguém. «Votar num partido com apoio ou representação minoritária comporta sempre o risco, mais ou menos provável, de esse voto não se materializar numa eleição – especialmente em eleições europeias, em que Portugal tem apenas 21 mandatos para eleger. Por muito frustrante que seja, a eleitora de um partido de pequena dimensão está antecipadamente preparada para o possível desgosto em decorrência da sua escolha arriscada» («148.458 desiludidos», Leonor Caldeira, Sábado, 13.06.2024, p. 59). O que vale é que a gramática e a língua já estão habituadas a estes abalos de fraca intensidade.

 

[Texto 19 930]

Léxico: «colunelo»

Acham mesmo?

 

       A propósito de História da Cultura e das Artes. Porto Editora, por amor de Deus, não podes dizer de colunelo apenas que é a «pequena coluna». Vê só como o define o Michaelis: «Coluna pequena de fuste largo, típica da arquitetura medieval românica e gótica, usada para decorar os pés-direitos dos portais e, por vezes, como suporte de nervuras e abóbadas.»

 

[Texto 19 929]

 

P. S.: O arquiconhecido tradutor Frederico Lourenço, no Jornal 2 de ontem, também disse Michelangelo em vez de Miguel Ângelo. Estamos tramados.