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Linguagista

A maldição do hífen

Andam sempre ao contrário

 

      Agora, de vez em quando vejo merdas erros destes: «Em declarações ao mesmo jornal, David Davis, antigo ministro do “Brexit”, disse, porém, que Johnson está “mal-informado” sobre o assunto» («Johnson defende referendo a convenção de direitos humanos», António Saraiva Lima, Público, 5.10.2024, p. 26). O Word manda, o jornalista acata.

[Texto 20 333]

Léxico: «desmaterializado»

Autonomize-se

 

      «Como pode ser comprado o Passe Ferroviário Verde? O novo passe é um título de transporte desmaterializado que tem de ser carregado num Cartão CP. Quem já o tem, basta carregar o novo passe; quem o não tem, deverá requisitá-lo previamente numa bilheteira da CP (é necessário preencher um formulário, pagar uma taxa e entregar uma fotografia)» («O que é o Passe Ferroviário Verde? E como funciona?», Carlos Cipriano, Público, 5.10.2024, p. 31). Em desmaterializado, eu não diria apenas que é o «particípio passado do verbo desmaterializar».

[Texto 20 332]

Léxico: «electrónico»

Mais um exemplo

 

      No jornal Público, de vez em quando vejo anúncios de leilões — leilões presenciais e leilões electrónicos. À primeira vista, este adjectivo não é a primeira opção. Contudo, vamos, me bem, encontrar a acepção no dicionário da Porto Editora: «que se processa ou ao qual se acede através de um computador ou outro dispositivo electrónico, sobretudo através de uma rede〈edição electrónica do jornal; banca electrónica». A estes dois, eu juntaria, com a certeza de que ajudaria os falantes, o exemplo de «leilão electrónico».

[Texto 20 331]

Léxico: «norma-travão»

Também na Madeira

 

      «O presidente do Governo Regional defendeu ontem a criação de uma “norma-travão” ao fundo de coesão até que haja a revisão da lei de finanças das regiões autónomas, para evitar que já no próximo ano a Madeira perca “25 a 26 milhões de euros” nas transferências deste fundo» («GR quer norma-travão para evitar perdas da ‘coesão’», Alberto Pita, Jornal da Madeira, 4.10.2024, p. 6). É o que está certo e é o que se vê sempre, ou quase sempre, escrito — e, contudo, não aparece nos nossos dicionários. Ao que parece, querem impor-nos o sem-sentido de o escrever sem hífen.

[Texto 20 330]

Definição: «endometriose»

Pode ser ou não

 

      «Por tudo isto, considera que o projecto de lei relativo à endometriose (uma doença crónica que, entre outras coisas, causa dores menstruais intensas) e à adenomiose (doença que se caracteriza pelo aumento do tamanho do útero) aprovado, na quarta-feira, na generalidade, na Assembleia da República, “é um grande passo” na luta que tem feito para dar visibilidade ao problema» («“É um grande passo”. Parlamento dá luz verde a faltas justificadas para quem tem endometriose», Teresa Serafim, Público, 4.10.2024, p. 12).

      Nem oito nem oitenta: a mera presença desse tecido da mucosa uterina noutros órgãos ou estruturas da cavidade pélvica nem sempre é causadora de doença. Por outro lado, também não concordo com a escusada concisão da definição do termo endometriose no dicionário da Porto Editora: «presença de tecido da mucosa uterina noutros órgãos ou estruturas da cavidade pélvica». Assim, proponho uma definição que reflecte também os possíveis sintomas e consequências: «Presença de tecido da mucosa uterina noutros órgãos ou estruturas da cavidade pélvica, que pode causar sintomas como dor pélvica, inflamação ou infertilidade, dependendo da sua actividade e impacto nos órgãos afectados.» Termina assim o artigo: «Uma em cada dez mulheres em idade reprodutiva é afectada pela endometriose. Fazendo a passagem para a realidade em Portugal, estima-se que existam 350 mil portuguesas que sofram com a doença.»

[Texto 20 329]

Léxico: «contra-resposta»

Aqui não há música

 

      «Por regra, uma discussão serena para a sofisticação dos argumentos, como uma partida de ténis em que a qualidade das respostas e das contra-respostas vai gradualmente convocando a confiança e os melhores talentos dos adversários em confronto» («O “que se lixem as eleições” de Pedro Nuno Santos», Francisco Mendes da Silva, Público, 4.10.2024, p. 6).

      De quando em quando, aparece este sentido figurado (ou talvez não) de contra-resposta. O termo da música, recorde-se, fui eu que o conduzi de volta ao redil da Porto Editora em Novembro de 2018, porque ele já andava por aí tresmalhado.

[Texto 20 328]

De novo «hacker» e «cracker»

Mas eu nunca fiquei convencido

 

      «Um hacker é alguém que tem a liberdade de explorar um sistema, com autorização. Não é para danificar, não tem essa motivação. Identifica as vulnerabilidades para evitar que a internet se torne um caos. Por esta altura, já não deveria ter de acrescentar que sou “ético”, porque está implícito, mas tenho de o fazer. Ainda é preciso desmistificar, repor a verdade sobre a palavra “hacker” e distingui-la de “cracker”. Existe, aliás, uma organização, a Hacking is NOT a Crime, que defende a descriminalização do hacking, através de uma reforma política, a bem do progresso digital sustentável» («André Baptista. “Nunca senti a tentação de fazer o mal, como hacker. E já tive oportunidades de ficar bilionário”», depoimento recolhido por Rosa Ruela, Visão, 3.10.2024, p. 26). É verdade que, por sugestão minha, o erro maior quanto à definição do vocábulo hacker já foi corrigido pela Porto Editora (aqui), em Abril de 2022, mas a terceira acepção ainda é um piscar de olho aos confusionistas. O que estão a dizer, a sancionar, é que, naquela acepção, é o mesmo que cracker. Eliminá-la contribuiria para haver menos confusões e menos dúvidas no mundo.

[Texto 20 327]