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Linguagista

Léxico: «malfalante»

Talvez devesse ser, mas não é

 

      Ontem celebrou-se o Dia Internacional de Consciencialização para a Gaguez. «A gaguez, para quem não é gago, remete apenas para um problema na fala. Para quem gagueja, no entanto, remete para como lidar com uma conceção socialmente dominante de ser malfalante e para uma visão estigmatizante de quem é gago» («O direito à gaguez. Ou a urgência de reaprender a escutar», Daniel Neves Costa [sociólogo e presidente da Associação Portuguesa de Gagos], Público, 22.10.2024, p. 6). Há aqui, creio, um equívoco: não é, confesso, a primeira vez que, a propósito de gagos e gaguez, vejo o termo «malfalante». Ora, todos os dicionários, sem excepção, pelo que tenho visto, afirmam que malfalante é o que fala mal, sim, mas no sentido de ser maledicente. Mas também pode haver aqui desconsideração (em todos os sentidos) dos linguistas, já que o termo que imediatamente nos ocorre como antónimo, bem-falante, significa que é agradável e elegante no falar.

[Texto 20 410]

Definição: «amílase»

Um precursor

 

      «Os seres humanos transportam várias cópias de um gene que lhes permite começar a decompor o amido dos hidratos de carbono complexos na boca, uma expansão genética que um novo estudo aponta ter mais de 800 mil anos. [...] A amilase é uma enzima que não só decompõe o amido em glicose, como também dá sabor ao pão» («Gosta de pão ou massa? A “culpa” é do ADN», Rádio Renascença, 18.10.2024, 10h58). A Porto Editora garante-nos que a amílase é uma «enzima capaz de transformar o amido em maltose». Em glicose ou em maltose? Quem tem razão? A Porto Editora: a amílase não decompõe o amido directamente em glicose, mas principalmente em maltose, que é um precursor da glicose. Só que devia dizer-se na definição.

[Texto 20 409]

Léxico: «tanzanite»

O nome não engana

 

      Revi um artigo sobre o trabalho infantil pelo mundo. Um dos casos — e calcula-se que sejam 160 milhões em todo o mundo — era sobre um miúdo com 11 anos do Norte da Tanzânia que desistira de estudar porque o pai, apesar de ter uma pequena exploração de café (talvez se dedique aos cultivares Bourbon ou Kent, as duas principais variedades de arábica que se darão bem no clima da zona), não tem meios para pagar o uniforme e as propinas do filho. Assim, a criança tem de descer, diariamente, por uma corda pelos túneis para ajudar na exploração de tanzanite, uma pedra valiosa e dez mil vezes mais rara do que o diamante, e que apresenta tricroísmo.

[Texto 20 408]

Léxico: «compulsoriedade»

Desta vez, é o adjectivo que temos

 

      «A compulsoriedade tem ainda viés autoritário. Regimes que prezam pelas liberdades não impõem nada que não seja absolutamente indispensável para a vida em sociedade, e o voto individual não está nessa categoria. O vitorioso de um pleito ao qual acorreram 90% dos cidadãos não é mais legítimo do que o de um ao qual compareceram 70%» («Voto deveria ser opcional, mesmo com abstenção maior», editorial, Folha de S. Paulo, 17.10.2024, p. A2).

[Texto 20 407]

Definição: «neurocrítico»

Para se perceber melhor

 

      No Hospital de Gaia abriu, na passada sexta-feira, uma unidade de neurocríticos — a terceira unidade especializada no País — para dar melhor resposta a doentes com AVC, aneurisma ou lesões por trauma. Ora, creio que esta informação contribuiria para afinar a definição de neurocrítico da Porto Editora: «MEDICINA diz-se de ou doente em estado crítico por lesão ou disfunção no sistema nervoso».

[Texto 20 406]

Léxico: «hidrorreceptor»

Isso era dantes

 

      Sabiam que as abelhas têm hidrorreceptores? As abelhas ficam hiperactivas dias antes de haver precipitação. Isto deve-se a terem hidrorreceptores que lhes permitem detectar quantidades mínimas de humidade no ar. Nesse momento, começam a trabalhar freneticamente para acumular reservas de nutrientes e de água na colmeia. Pouco antes de a chuva começar, entram na colmeia e não saem até que escampe. Isto era dantes observado sobretudo pelos pastores e pelos agricultores — antes de terem telemóveis e desperdiçarem o tempo em actividades mais parvas e inúteis.

[Texto 20 405]