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Linguagista

Erros de sempre e para sempre

Este é que é o último

 

      «Dado o ênfase dado à retórica anti-imigração na campanha republicana, Trump e os seus aliados têm repetido, sem citar provas, que um grande número de pessoas que não são cidadãos dos EUA poderá votar nas eleições, mesmo perante os estudos que demonstram que a votação de não-cidadãos é muito rara» («Conspirações e processos: Trump prepara-se para não aceitar a derrota», Paulo Narigão Reis, Público, 31.10.2024, p. 23).

      Tem de ser este o último, para tentarmos que o jornalista Paulo Narigão Reis chegue a Novembro a saber que o vocábulo ênfase é do género feminino. Não tem nada que saber: lembre-se de «fase» e não se enganará. Quanto ao demais, bem, tem de reler sempre o que escreve: «dado o ênfase dado, etc.» Uma entre muitas soluções: «Perante a ênfase dada à retórica anti-imigração na campanha republicana, Trump, etc.» Escrever e não reler é como um alfaiate que entregasse ao cliente o fato apenas alinhavado.

[Texto 20 451]

Léxico: «luneta»

Tem remédio

 

      «Há no parque a influência de um nome incontornável: Francisco Keil do Amaral, o arquitecto que se junta à equipa da Câmara de Lisboa para o desenhar, tendo como inspiração os bosques urbanos europeus. Chegam-nos até hoje equipamentos como a Luneta dos Quartéis, o Parque Infantil do Alvito, a Casa de Chá de Montes Claros ou o Miradouro dos Moinhos do Mocho» («Monsanto: há 90 anos, em terras nuas, nascia o grande “pulmão”», Teresa Serafim, Público, 29.10.2024, p. 18).

      Devo confessar, com vergonha, que conheço muito mal o parque de Monsanto, e, até recentemente, e durante muitos anos, mal acordava tinha-o ali à minha frente. E, contudo, não tenciono corrigir isso. Apesar disso, sei bem qual a origem do nome Luneta dos Quartéis: no século XIX, por ser o ponto mais alto da cidade, foram construídas várias estruturas militares na serra de Monsanto, então ainda despida de árvores, para protecção de eventuais ataques a Lisboa. O Miradouro da Luneta dos Quartéis é precisamente um desses locais adaptados e transformados para utilização civil entre os anos 1930 e 1940. Ora, acontece que entre as seis acepções de luneta no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não se encontra nenhuma relativa a fortificações.

[Texto 20 449]

Léxico: «sapo-pulga»

E não apenas «sapinho-pulga»

 

      «Sapo-pulga com menos de 7 milímetros é encontrado em Ubatuba, no litoral norte paulista. Animal é o segundo menor vertebrado já descrito em todo o mundo e foi descoberto por grupo liderado por pesquisadores da Unicamp» (Lucas Machado Botelho, Folha de S. Paulo, 29.10.2024, p. A48).

[Texto 20 448]

Como se aplica o AOLP90

A olhómetro

 

      «Estava uma boa tarde de sol, sentei-me numa esplanada na avenida da Républica para comer um gelado e, na mesa ao lado, dois homens de meia idade, entre os 50 e 60 anos, conversavam com muita desenvoltura» («Polónica: literatura e política», Jacinto Rêgo de Almeida, Jornal de Letras, 16-29.10.2024, p. 35). Por qualquer motivo, que não pode ser bom, os libérrimos intérpretes das regras do Acordo Ortográfico de 1990 procedem a uns cortes aleatórios — assim os vejo — nos hífenes. Entre as principais vítimas encontra-se justamente «meia-idade», seguida logo de «extrema-esquerda» e de «extrema-direita». Um jornal literário não ser revisto é que me parece um contra-senso perigoso. Bem, eles lá sabem. Ou não.

[Texto 20 447]

Definição: «língua azul»

Menos inócuo do que isso

 

      «A língua azul é uma doença causada por um arbovírus, sendo habitualmente transmitida por mosquitos do género Culicoides (Culicoides imicola, Culicoides obsoletus e Culicoides pulicaris), segundo informação disponibilizada pela Direcção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV). Esta é uma “doença viral, infecciosa não contagiosa” e há 24 serótipos antigénicos do vírus que “não desenvolvem imunidade cruzada entre si”, com a virulência a variar com os serótipos do vírus, destaca a DGAV. [...] A doença da língua azul pode provocar febre e inchaço na língua dos animais e úlceras, o que faz com que deixem de comer. Além disso, pode provocar abortos nas ovelhas e dificuldade de mamar nos borregos» («Que doença tem dizimado rebanhos no Alentejo?», Filipa Almeida Mendes, Público, 30.10.2024, p. 36).

      Entrou recentemente no dicionário da Porto Editora, mas creio que a definição transmite uma ideia imprecisa ao afirmar-se «que se caracteriza por provocar uma coloração azulada ou arroxeada na língua e na boca dos animais doentes». É então uma questão de cor? Os animais, envergonhados, deixam de se alimentar e morrem de inanição?

[Texto 20 446]

Léxico: «cal extinta/apagada | cal virgem | mistura quente»

Falemos de cales

 

      «Masic disse que os fragmentos de cal não vieram da cal extinta, mas da cal virgem que os romanos adicionavam diretamente, em um processo chamado de mistura quente. Como a cal virgem é muito reativa, ela gera calor quando combinado com cinzas vulcânicas, aquecendo o material a mais de 77ºc, levando o concreto a endurecer muito mais rápido. A técnica também gerava alguns pontos quentes, fazendo com que parte da cal virgem permanecesse em pequenos pedaços intactos —os fragmentos vistos no concreto romano hoje que proporcionam suas propriedades autocicatrizantes, diz» («Cientistas buscam os segredos do concreto romano ‘autocicatrizante’», Amos Zeeberg, Folha de S. Paulo, 28.10.2024, p. B33).

[Texto 20 445]