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Linguagista

Léxico: «flóber»

Como em tantos outros casos

 

      «De regresso à Costa Nova, adoeci. Diagnosticaram-me uma pleurisia. Nesse tempo era uma doença complicada. Tive de ser internado no Hospital de Águeda. Valeu-me a estreptomicina. Mas estive mal. Fui convalescer para a Giesteira, entre Águeda e o Caramulo, numa quinta pertencente a uns primos amigos. Ovos, cerveja preta e muitas arrozadas de pardais caçados com a flóber. Tive um namorico com uma rapariga da terra, que vinha dançar comigo uns tangos que eu punha no gramofone» (Memórias Minhas, Manuel Alegre. Alfragide: Publicações Dom Quixote, 2024, 3.ª, p. 43).

      É mais um caso de derivação imprópria: de Flobert, marca de certo tipo de arma de pressão de ar, passou-se a designar por flobert qualquer arma do mesmo tipo, independentemente da marca. Ora, Manuel Alegre sabe francês, e nós também. Se o escreveu desta maneira, é porque sente, e bem, é a pura realidade, que o falante comum é assim que pronuncia — e escreve, que é o que mais interessa para o caso — a palavra. 

[Texto 20 474]

Léxico: «válvula de maré | clapeta»

O mundo real fora dos dicionários

 

         «A empreitada foi adjudicada por cerca de 120 mil euros, tem um prazo de execução de seis meses e a autarquia prevê que as válvulas tenham uma vida útil de 50 anos. As válvulas de maré, explica o Município, “têm como função impedir o retorno das águas da ria, quando a maré sobe, e permitir que as águas provenientes do sistema pluvial desaguem, quando a maré baixa”» («Ílhavo substitui válvulas de maré para travar cheias», Salomé Filipe, Costa, Jornal de Notícias, 3.11.2024, p. 12).

      Há válvulas pelo menos de três tipos: de disco, de esfera e de clapeta, que é uma placa que se abre com a pressão do fluido e se fecha quando a pressão diminui. É comummente usada em sistemas de drenagem e esgoto, já que proporciona um fechamento suave. Ora, clapeta é termo que não encontramos nos nossos dicionários, isto quando o termo será utilizado diariamente de norte a sul do País.

[Texto 20 473]

Estados-baloiço...

Mais tentames

 

      «Ou seja: os quatro maiores “estados-baloiço” que vão decidir a Eleição Presidencial americana têm dimensões populacionais semelhantes a Portugal» («O destino guardado em sete Estados», Germano Almeida, Diário de Notícias, 5.11.2024, p. 10). Para mim, a opção da Folha de S. Paulo ainda é a mais adequada. Dizer-se, como ainda ontem ouvi Jaime Nogueira Pinto na SIC Notícias, swing states é que não é solução para nós.

[Texto 20 471]

Léxico: «sistema estacionário»

Eu quero saber

 

      «Um sistema estacionário por cima do Sudeste da Península Ibérica e as condições mais quentes do ar e do mar no Mediterrâneo estão na origem da grande intensidade do fenómeno que, entre a noite de terça-feira e a madrugada de ontem, despejou mais de 400 milímetros de água em poucas horas em algumas localidades do Leste espanhol, explicam peritos ouvidos pelo PÚBLICO, que falam de uma situação extrema, mas não inédita» («Alterações climáticas terão intensificado chuvas em Espanha», Nicolau Ferreira, Público, 31.10.2024, p. 3).

[Texto 20 470]

Léxico: «acusação» e mais umas miudezas

Menos do que assim-assim

 

      «A acusação deduzida invoca o crime de homicídio simples, punível com entre oito e 16 anos de cadeia, mas também a disposição do código penal que estipula que quem recorrer de forma excessiva à legítima defesa pode ver a sua pena especialmente atenuada» («Polícia de elite acusado de homicídio depois de cilada sexual», Ana Henriques, Público, 4.11.2024, p. 19).

      Então agora a acusação empenha-se assim tanto em arranjar atenuantes para o arguido? Convém sempre reler o que se escreve. E é impressão minha ou esta acepção de acusação não está no dicionário da Porto Editora? Aqui não é a fase processual nem a parte que acusa a outra. Indaguemos ainda como define o dicionário da Porto Editora os termos suspeito, acusado e arguido. Sobre o primeiro nada diz sobre o conceito legal; o segundo está bem definido («DIREITO pessoa que, em direito penal, foi alvo de acusação»); o terceiro parece ser uma mistura entre os conceitos de suspeito e arguido («DIREITO sujeito passivo de processo penal; aquele sobre quem recai forte suspeita de ter perpetrado um crime»). Suspeito, como se lê no portal da Procuradoria-Geral da República, é «toda a pessoa relativamente à qual exista indício de que cometeu ou se prepara para cometer um crime, ou que nele participou ou se prepara para participar». Já arguido «significa ser um sujeito processual, formalmente constituído como tal, ou contra quem haja sido deduzida uma acusação ou aberta a instrução, sobre quem recaiam, num certo momento processual, fundadas suspeitas de ter praticado ou comparticipado na prática de um crime».

[Texto 20 469]

P. S.: Tal como defesa não é apenas, como defines, o «advogado do réu». Com a agravante, aqui, de que nem indicas o domínio a que pertence a acepção.