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Linguagista

Como se fala por aí

Mais uma tentativa

 

      Eram 7h06 e a pivô Daniela Rodrigues, no Diário da Manhã da TVI, garantia que já havia «longas filas de viaturas que tentam chegar à cidade lisboeta». Minutos mais tarde, o mesmo: «cidade lisboeta». Como fazer entender a esta gente que isto é uma maneira errada, absurda mesmo, de dizer as coisas? Que mais posso eu fazer? Mais uma tentativa: Daniela Rodrigues, significando o adjectivo lisboeta «relativo à cidade de Lisboa», acha que o pode usar dessa forma?

[Texto 20 487]

Léxico: «amorês»

Nem freiras nem jornalista

 

      «“Um mosteiro como este vai atrair pessoas do nosso país, pessoas de outros países, o que já está a acontecer. Eu sempre que vim aqui encontrei pessoas a falar outra língua, Mas há aqui uma língua comum, que não é só o mirandês, mas é o ‘amorês’, este ‘amorês’ que tem raízes em Deus e que, depois, se traduz em coisas muito concretas e palpáveis na vida também de trabalho, na vida de partilha, de comunidade”, aponta» («Em Palaçoulo há um mosteiro onde se fala “amorês”», Olímpia Mairos, Rádio Renascença, 25.10.2024, 9h35).

      Sim, isso é certo: não foram as freiras (mas elas têm, ou tinham, queda para o amorio e a doçaria, se bem que, como se soube agora, algumas receitas tenham sido forjadas no século XIX) nem Olímpia Mairos quem inventou o termo amorês, a linguagem do amor. Já o tenho encontrado em obras sobre poesia.

[Texto 20 486]

Mal por mal, ficamos com «obsceno»

O que vou ouvindo por aí

 

      Ultimamente, tenho vindo a reparar que o adjectivo obsceno no sentido da terceira acepção que encontramos, por exemplo, no dicionário da Porto Editora («que gera indignação pelo seu carácter ofensivo ou atroz»), cujo uso nem todos os falantes compreendem, está a ser substituído por pornográfico. A última vez que o ouvi foi precisamente na terça-feira, no programa, a que nunca acho graça (mas há-de ser problema meu), Faking News, na TSF. Como são parcialmente sinónimos, deu-se esta mudança. Agora é rezar para que não passem a dizer lascivo ou lúbrico. Por exemplo, a frase do meu texto anterior, sobre tórico, ficaria assim na boca destes neofalantes: «Os poucos que estão dispostos pedem valores pornográficos.» Pois, não ficaria nada bem.

[Texto 20 485]

Léxico: «junta tórica | tórico»

Agora éramos canalizadores

 

      Não teria de ser eu a fazê-lo se os profissionais gostassem de trabalhar — ou será que têm demasiado trabalho? Os poucos que estão dispostos pedem valores absurdos. Certo é que tive de ser eu a substituir todo o mecanismo de um autoclismo, incluindo o tubo de alimentação com bóia, para um mais silencioso, a bicha e a torneira de corte. Depois de montar tudo, porque tudo desmontara, ao pôr a nova junta tórica lembrei-me de ir ver o que dizia o dicionário da Porto Editora sobre tórico. Pouco — e nada que leve o leigo a saber o que é uma junta tórica. (Sim, posso bem ter errado a vocação.)

[Texto 20 484]

Léxico: «paleontinídeo | Paleontinídeos»

Isto está a compor-se

 

      «As asas dos representantes de Dunstaniidae, que surgiram muito antes das aves, eram maiores e mais largas, enquanto as asas dos paleontinídeos, que se diversificaram já em um ambiente onde existiam aves primitivas, eram mais compridas e esguias. Tal morfologia permite uma manobra rápida de direção durante o voo, conseguindo despistar melhor o predador» («Cigarras mais ágeis surgiram por corrida evolutiva com aves no final do período Jurássico», Ana Bottallo, Folha de S. Paulo, 6.11.2024, p. A45).

[Texto 20 483]

Léxico: «lista suja»

Que mundo...

 

      «Emival Eterno da Costa, o cantor Leonardo, teve seu nome incluído pelo governo na chamada “lista suja do trabalho escravo” do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego)» («Leonardo entra em ‘lista suja’ de trabalho escravo», Bruna Fantti, Folha de S. Paulo, 9.10.2024, p. A36).

      No Brasil, o Ministério do Trabalho divulga a chamada lista suja, que é o cadastro de empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas às de escravo. Ora, ao que suponho, ainda que se lhe pudesse chamar lista negra, a esta atribuiu-se este nome específico. O curioso é que algumas instituições e indivíduos no Brasil falam em «racismo linguístico» (aspas, sim, e, à cautela, sic), e propõem que se diga sempre «lista suja» — para evitar, ai-jesus, o uso de «negra». Hum... e se exigíssemos o mesmo para o uso do adjectivo «branco», o que diriam? Por exemplo, desincentivar fortemente o uso de colarinho branco, cavalo branco (a Porto Editora já segue a recomendação, pois que não o acolhe), lista branca (a Porto Editora já segue a recomendação, pois que não o acolhe), verso branco, greve branca (a Porto Editora já segue a recomendação, pois que não o acolhe), arma branca, magia branca (a Porto Editora já segue a recomendação, pois que não o acolhe), etc. Podia prosseguir, mas creio que já compreenderam a ideia.

[Texto 20 482]

 

P. S.: Porto Editora, por favor, faz dois verbetes a sério de denegrido/denigrido. Dizer apenas «particípio passado do verbo denegrir/denigrir» não basta.

 

Léxico: «eleitor | grande eleitor»

Ao longo da História

 

      Já temos eleitor na acepção de cada um dos príncipes alemães com direito a tomar parte na eleição do imperador do Sacro Império Romano-Germânico. No dicionário da Porto Editora, porém, está incompleto e errado: «HISTÓRIA príncipe ou bispo alemão que elegia o imperador». Todos os eleitores, e o número foi variando no decurso do tempo, eram príncipes territoriais com soberania sobre territórios específicos. Os títulos adicionais (sejam eclesiásticos, como arcebispo — e não bispo — ou honoríficos, como copeiro-mor) eram secundários à sua condição fundamental de príncipes territoriais. O que os distinguia dos outros príncipes do império era o seu estatuto especial como eleitores, um grupo exclusivo com o privilégio de eleger o imperador. Um deles foi mais tarde apodado Grande Eleitor pela historiografia: Frederico Guilherme de Brandemburgo (1620-1688), uma figura crucial para a ascensão do Estado de Brandemburgo-Prússia, lançando as bases do que viria a ser mais tarde o Reino da Prússia. Porque me lembrei disto? Pois porque nas últimas semanas temos vindo a ser bombardeados com informação sobre as eleições nos EUA, das mais importantes em todo o mundo, e grande eleitor, um conceito diferente, surgiu com muita frequência. Convinha, pois, ir também para os dicionários.

[Texto 20 481]