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Linguagista

Erro: «tratar-se de», mais uma triste vez

Isto também não é novo

 

      Não pensem agora que deixou de haver erros ou que eu deixei de ser sensível a essa parte má do mundo e da vida. Por sorte, são quase sempre os mesmos, prova de que as pessoas não aprendem: «Apesar de Helena Susano presidir aos trabalhos, terá sempre a seu lado mais dois colegas, com quem vai partilhar trabalho e a decisão final. Tratam-se de Bárbara Churro, 48 anos, e Bruno Ferreira» («Juíza que preside ao julgamento do BES foi professora mais de dez anos», Mariana Oliveira e Ana Henriques, Público, 14.10.2024, p. 17).

      Mariana Oliveira e Ana Henriques, ai, valha-me Deus, tratar-se é um verbo defectivo e impessoal, pelo que se usa sempre na 3.ª pessoa do singular. Percebem? «Trata-se de Bárbara Churro, 48 anos, e Bruno Ferreira.»

[Texto 20 500]

Léxico: «esgadelhar»

Não é aqui novo

 

       «O grosso do trabalho, o lavar no rio ou no tanque, o esgadelhar para retirar impurezas e o cardar com dentes de aço era feito previamente» («Saber a Terra é “viver bem” a fazer as coisas como há 150 anos», Luís Octávio Costa, «Fugas»/Público, 5.10.2024, p. 7).

       No dicionário da Porto Editora, esgadelhar remete para esguedelhar, mas este não tem nenhuma acepção relacionada com linho. No entanto, isso já passou aqui pelo Linguagista: «Esgadelhar é separar a lã com os dedos, removendo as sujidades maiores e pedaços de lã sem qualidade para fiar. Carpear consiste em dispor as mechas de forma paralela, umas em cima das outras, até acumular lã suficiente para ser colocada na roca» (aqui).

[Texto 20 499]

 

Léxico: «mija-mija | areno-lamoso | subovado»

Confusões de outro género

 

      O mija-mija (Trachycardium muricatum) é um molusco bivalve filtrador que pode ser encontrado ao longo da costa atlântica das Américas, desde a Carolina do Norte (EUA) até à Argentina, habitando fundos areno-lamosos e áreas arenosas entre rochas. (Em inglês, é yellow prickly cockle.) Tem concha subovada com valvas moderadamente convexas e equivalves, atingindo 40 a 50 mm, apresentando 30 a 40 costelas finas. Apresenta coloração branco-creme com manchas amarelas, por vezes com tons amarelados próximo do umbo, e possui perióstraco acastanhado. O seu nome comum, e popular, mija-mija, tem que ver com o jacto de água que expele quando perturbado, característica que partilha com a ascídia (em inglês, sea squirt), um tunicado do subfilo Urochordata — daí que muitas pessoas (tradutores?) os confundam.

[Texto 20 498]

Léxico: «langanho»

Não consta, e é polissémico

 

      «Na Taberna D. Alcina a enguia frita é vendida a 90 euros o quilo (uma dose individual andará na ordem dos 18 a 20 euros) e a caldeirada fica a 20 euros por pessoa. É que ao custo de compra do peixe têm de ser acrescentadas as várias horas que são precisas para o preparar (lavar e amanhar). “Elas escorregam da mão, têm muito langanho. Antigamente, usava-se areia para as conseguir segurar, agora é farinha de milho, que a gente aproveita depois para dar à criação”, conta» («Há mais de 70 anos que Alcina Lopes faz das enguias uma verdadeira especialidade», Maria José Santana, «Fugas»/Público, 5.10.2024, p. 17).

[Texto 20 497]

Léxico: «casa-mãe»

Como várias outras

 

      «Agora, o movimento parte da casa-mãe das participações da família Soares dos Santos. A Sociedade Francisco Manuel dos Santos SGPS, SE (SFMS SGPS) é a holding que agrega os interesses de alguns descendentes de Francisco Manuel dos Santos, nomeadamente do ramo Soares dos Santos (até 2019 liderados por Alexandre Soares dos Santos, neto de Francisco Manuel dos Santos, entretanto falecido) e do ramo Santos» («Accionistas da dona do Pingo Doce mudam a casa-mãe para os Países Baixos», Pedro Crisóstomo e Isabel Aveiro, Público, 9.11.2024, p. 34). 

      Sim, como várias outras: célula-mãe, cidade-mãe, empresa-mãe, ideia-mãe, igreja-mãe, língua-mãe, navio-mãe, placa-mãe... As amareladas foram esquecidas pela Porto Editora.

[Texto 20 496]

Léxico: «farta-brutos»

Para ir digerindo

 

      Ricardo Dias Felner é O Homem que Comia Tudo, título que também deu a um livro publicado pela Quetzal. Não li o livro, mas de vez em quando leio uma das suas crónicas. Ando aqui a ruminar nisto há dias: será que Ricardo Dias Felner come tudo, e, logo, só os pratos farta-brutos o poderão satisfazer, ou é antes, como me parece mais provável, come de tudo? Assim, teria de ser O Homem Que Comia de Tudo, isto é, que não se recusa a comer nenhum alimento, seja porque não é niquento, seja porque tem de escrever crónicas a relatar essa vocação omnívora. É que não é o mesmo. É a questão que deixo para digerir.

 

[Texto 20 495]

 

P. S.: Muito bem, já temos junta tórica, mas quanto ao adjectivo tórico, propriamente, o falante (sobretudo o que tem como leitura diária apenas os talões do multibanco) continua com as mesmas dúvidas: a qual das oito acepções de toro diz respeito?