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Linguagista

Acordo Ortográfico na PJ

E radiotelegramas, ainda há?

 

 

      Eu até pensava que já não se mandavam telegramas. Mas não: ontem recebi um da Polícia Judiciária, a notificar-me para prestar declarações como testemunha. E agora é muito mais fácil, pois também se podem enviar pela Internet. Será que os manuais escolares ainda afirmam que «podemos utilizar duas formas para expedir um telegrama»? Já são três, pelo menos. Ah, e o telegrama estava assinado pelo «inspetor ***». Não tardará e vamos ter muitos falantes — quem sabe os próprios «inspetores» — a fecharem o e.

 

[Texto 1091]

3 comentários

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    Venâncio 12.02.2012 17:41

    Caro Paulo, primeiro uma anotação de ordem técnica. Há de facto diversas fonéticas numa comunidade de falantes, mas a norma linguística nacional opera a partir de uma e mesma fonologia. A fonética parte do desempenho concreto, a fonologia é uma abstracção. Mas eu queria falar de outra coisa.
    A sua observação («Fico impressionado com a excessiva preocupação dos Portugueses com a pronúncia das palavras») leva-me a crer que, como alguns amigos meus brasileiros, não captou (nem tem que captar, sublinho) o que preocupa exactamente os portugueses. Vou tentar explicar-lho.
    Repara nas palavras ANOTAR e ADOTAR. Para um brasileiro, elas distinguem-se na pronúncia por um único traço fonológico: a primeira consoante. Não assim em Portugal. A primeira palavra soa (simplifico a transcrição) anutar, a segunda soa adòtar. Como indicamos a abertura do O na segunda? Grafando-a ADOPTAR. (Isto numa estrita perspectiva sincrónica). Aqui o P não soa (por isso dizemos que é uma consoante "muda", mas tem o valor de um acento).
    Outro exemplo. Um brasileiro pronuncia da mesma maneira o primeiro A em CATIVAR e em ATIVAR. Um português pronuncia-o fechado na primeira palavra e aberto na segunda. E por isso grafamos ACTIVAR. Aqui também o C não soa, mas reconhecemos-lhe um valor.
    Um terceiro exemplo. Um brasileiro pronuncia da mesma maneira o primeiro E em COMPLETAR e em INFETAR. Um português não pronuncia, de todo na primeira palavra e pronuncia-o aberto na segunda. E por isso grafamos INFECTAR, onde, mais uma vez o C não soa, mas tem essa utilidade.
    São três exemplos. Como estes há , no português europeu, muitas dezenas de casos, e (tendo em conta as formas verbais) mesmo centenas.
    E há outra coisa. A fonologia do português europeu tende, historicamente, para o fechamento (ou elevação, o termo técnico) das vogais átonas pré-tónicas. Mesmo quando as consoantes etimológicas (C e P) se escrevem, há nítidos casos de fechamento, e o processo avança. Eis o motivo por que bastantes portugueses estão preocupados com a eliminação na escrita dessas consoantes etimológicas por força do Acordo Ortográfico de 1990. E há, entretanto, indicações sérias de que o processo se vai acelerar com essa eliminação, ao desaparecer esse apoio para a pronúncia. A observação da leitura (na rádio ou na tv) de textos escritos na nova ortografia mostra-o claramente.
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    Paulo Araujo 12.02.2012 22:42

    Eu compreendo, Venâncio, e sei das razões que justificam as consoantes mudas, ora expurgadas. Mas eu estou certo de que um português ou um brasileiro ao ouvirem anotar ou anutar, compl'tar ou completar entenderão de que verbo se está tratando; e mesmo aí ou aqui as pronúncias variam muito de região para região, sem que isso cause problema de entendimento mútuo. Se não nos preocuparmos muito com os ditames fonológicos, a perfeição fonética não terá tanta importância na comunicação.
    Eu tenho um grave defeito, confesso; importa-me menos a língua falada que a escrita. Esta tem de ser inteligível para todos, não admite discrepâncias; à falada se dá o desconto das individualidades e das regionalizações. A língua falada se cala quando morre o último falante (e aqui acontece todo dia, exagerando, com as línguas ágrafas; mas, ao contrário, o dalmático morreu, embora seus escritos sobrevivam). O latim falado teve várias versões de pronúncias, todas morreram; o latim escrito está vivo para quem quizer desfrutá-lo.
    Falei como leigo, dê-se o devido desconto.
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