Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]

Linguagista

Acordo Ortográfico

O acento diferencial

 

 

      Francisco Miguel Valada responde hoje no Público ao que José Mário Costa escreveu no mesmo jornal no dia 7 do corrente. Mas isso é o menos importante do texto. A argumentação acerca do erro que é suprimir o acento na forma verbal «pára» merece mais atenção, e os leitores decerto se lembrarão de que já várias vezes me referi, com exemplos, a esta alteração, que está a par de outras. Temos, porém, de convir que as consequências de suprimir o acento em «pólo» não serão as mesmas de o suprimir em «pára».

      «Há alguns meses, após ter apresentado uma comunicação no Instituto Franco-Português, em Lisboa, em seminário organizado pela União Latina, fui publicamente confrontado pelo senhor embaixador Lauro Moreira, defensor do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) e então embaixador do Brasil junto da CPLP, com o facto de insistentemente me referir à supressão do acento da flexão verbal “pára”. Tratava-se de reacção ao exemplo de que me munira: um título do PÚBLICO de 13/4/2009 (“Bloqueio nos fundos da UE pára projecto de milhões na área do regadio”). Após supressão do acento agudo, tal como prescrito pelo AO 90 na sua base IX, 9.º, qualquer leitor poderia ser induzido em erro, pois “para” tanto poderia ser preposição, como flexão verbal, com óbvias consequências sintácticas e semânticas de tal “simplificação” na frase em apreço.

      Nesse longínquo mês de Novembro de 2009, recorri a uma ficção para ilustrar as consequências nefastas noutros planos, para além do grafofonémico. Infelizmente, com a adopção acrítica, obediente e arbitrária do AO 90 por parte de alguns meios de comunicação social, a comedida simulação deu lugar a uma perceptível realidade. Um exemplo recente da RTP põe em causa valores fundamentais do elementar bom senso. Aparentemente, os comboios adquiriram o direito à greve.

      Com “greve na CP para comboios em todo o país”, como se pode ler em notícia da RTP, estamos perante a descarrilada hipótese de os comboios poderem fazer greve. Admite-se, desta forma, que a greve se aplique aos comboios e não a quem é responsável pela sua circulação, independentemente da forma verbal elíptica (neste caso, “convocada”). Assim, considerando que “para” funciona na perfeição como preposição, a frase “convocada greve na CP para comboios em todo o país” é perfeitamente plausível. Poderia ser gralha, mas não é. É determinação do AO 90.

       […]

      Quando S. Tomás de Aquino, no De ente et essentia, remetia para o Acerca do Céu de Aristóteles, manifestava uma das grandes preocupações de todos aqueles que reflectem sobre os actos e as acções: o pequeno erro inicial resultará, no final, num enorme erro. Uma supressão perfeitamente arbitrária de um acento numa flexão verbal, tornando-a homógrafa de uma preposição, é esse pequeno erro inicial. Se a esta supressão juntarmos todas as supressões arbitrárias, temos o AO 90 como um conjunto de pequenos erros iniciais, que resultarão num erro final ainda maior do que o próprio: a sua adopção» («O acordo ortográfico e o direito dos comboios à greve», Francisco Miguel Valada, Público, 19.06.2011, p. 33).

 

 

[Texto 179]

12 comentários

Comentar post