Certas mudanças vêm para esclarecer o usuário e para facilitar seu dia a dia. Outras — decerto bem intencionadas — acabam confundindo as gentes e semeando insegurança. Esse famigerado A.O. se insere na segunda categoria, infelizmente.
Só ganharam com ele os que se dedicam a produzir dicionários e manuais escolares. A massa dos falantes da língua, que, francamente, deveriam ser o alvo preferencial, ganharam… incertezas.
Hoje escrevemos como se caminhássemos por um tapete de ovos.
Al Martin a 25 de Junho de 2011 às 17:19
O ponto 6 é pura e simplesmente mentira. O que o artigo 2º do AO diz é, cito:
Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes, as providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de Janeiro de 1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa, tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas.
Ora, pondo de parte a questão da data, que os protocolos modificativos resolveram, o que isto quer dizer é... que qualquer coisa serve. As expressões "tão completo quanto possível" e "tão normalizador quanto possível" (itálicos meus) abrem as portas a tudo. Se não foi possível mais do que o que temos, o que temos serve, como serviria menos e como serviria mais. Este ponto nada impede e a nada, na verdade, obriga. Os estados podem sempre alegar que tomaram as providências que o acordo exige, mesmo que essas providências não tenham passado de enviar um ofício às instituições e órgãos competentes a pedir que se faça. Não fizeram mais? Olhe, a gente até queria mas não foi possível. Pronto, 'tá bem.
E de resto o vocabulário ortográfico existe. Temos o Vocabulário Ortográfico do Português que está disponível no Portal da Língua Portuguesa e serviu de base ao conversor LINCE. Tem faltado coordenação com a parte brasileira para a elaboração do vocabulário geral? Oh, sim. Muita. Culpa principalmente da parte portuguesa, eivada de caturras que tudo têm feito para pôr areia na engrenagem da nova ortografia.
Relativamente ao ponto 3, é legítimo que se pense que a existência de variantes ortográficas é um problema. É legítimo, mas também é ignorante, porque elas sempre existiram. E elas, como se pode ver em casos como o velhinho oiro/ouro, tendem a ser resolvidas pelo uso e pelo tempo, que transforma uma das formas em dominante e outra em residual, embora exista sempre a possibilidade de alguém resolver resgatar a forma minoritária passando a usá-la e a moda pegar. Mas as línguas são assim mesmo, feitas de ziguezagues e modismos. Enquanto isso não acontece, até para evitar adulterações da língua por via de hipercorreções, o melhor que há a fazer é abrir as portas à variante.
Já a ideia de que uma mudança ortográfica deve "concitar aceitação plena" para poder ser levada a cabo é pura e simples estupidez. Nunca nenhuma alteração ortográfica concitará aceitação plena, seja em Portugal, seja no Brasil, seja em qualquer país do mundo. Basta a resistência à mudança, esse motor do conservadorismo, independente das virtudes que a mudança possa ter, para impedir que a aceitação da mudança seja plena. Seja qual for a mudança. A única forma de se aceitar plenamente uma mudança é a mudança não ser mudança alguma.
Enfim, esta carta aberta é só a indigência do costume.
Jorge a 25 de Junho de 2011 às 18:08
Boa! Acabou de chamar indigente ao anfitrião.
Cumpts.
Olhe que não!
Bic Laranja demonstrou, mais uma vez, que só acerta quando está calado.
R.A. a 26 de Junho de 2011 às 11:03
R.A.,
Eu tenho que conter-me para não desarvorar em vernáculo, qd você acusa de «reaccionarismo» quem se opõe a este maldafado AO. É tão baratucho, pá! Os promotores do AO nunca, mas nunca, responderam às críticas exemplarmente formuladas por pessoas acima de toda a suspeita.
Olhe, leia hoje (domingo) no Público a página, a penúltima, do Provedor (penso que pode ler aos domingos sem pagar), que é um mimo de educação e de competência. Assim não preciso de gastar latim.
Venâncio a 26 de Junho de 2011 às 13:28
A carta aberta é, para mim, mais uma manifestação de reacionarismo (rebuscado, dourado de erudição, mas reacionarismo do mais conservador).
Posição diferente tem tido Helder Guégués e outros. Criticar o que está mal. Trabalhar pela língua pátria aceitando que é viva e evolui.
Os adversários do AO90 representam o imobilismo! Muitos, felizmente, apoiam o progresso! E, felizmente, a História favorece o progresso por mais fortes que sejam os que, na língua, na organização política, na ciência, nas empresas, na sociedade civil, reagem, reagem, reagem...
O jornal Público não respeita as regras de ortografia caducas e tudo fará para impedir que se torne evidente que não conseguirá cumprir as regras adotadas oficial e legitimamente. Não se trata de pagar multas ou cumprir penas - será, não duvido, forçado a aderir pela força da vergonha! Aposto dobrado contra singelo!
R.A. a 26 de Junho de 2011 às 11:21
Mas são precisos todos para fazer um mundo, caro R. A., - progressistas, conservadores, etc. O ponto é cada um defender a sua posição com algum fundamento e, se possível, graça. Depois, será o que for.
Continua baratucho, R.A., isso de analisar as atitudes frente ao AO em termos de imobilismo vs. progresso. Claramente, há gente que não dá mais.
Estou a escrever um artigo de alguma envergadura, que sairá (em Setembro) numa revista portuguesa de grande envergadura. Darei notícia aqui.
Venâncio a 29 de Junho de 2011 às 10:03
Eu sou contra o AO90. Choca-me a consagração, na língua correcta, de normas inventadas para índios e para servirem objectivos chauvinistas e nacionalistas das juntas militares brasileiras. Se a língua é de todos, por que é que mandam os brasileiros? Por esse raciocínio, seriam os indianos a mandar no inglês.
Mais ainda, dizer que a língua se vai “projetar” a nível internacional, é de completamente lunático. Quem que aprende uma língua por causa de 1 acordo ortográfico? E em que país é que se vai “adotar” o português como língua oficial? A Ucrânia, a Guiné Equatorial? Quantos milhões vão subitamente sentir a necessidade de aprender português?
Outro argumento idiota tem a ver com o pseudo-facto de que a aprendizagem da língua se torna mais fácil. Não, não existem milhares de estudos linguísticos, bem documentados, que concluem que a ortografia é absolutamente irrelevante no processo de aprendizagem. Não, nada disso. E depois, coitadinhas das crianças polacas que só aprendem 8 declinações. Ou as criancinhas alemãs que aprendem palavras por aglutinação. Por outro lado, dizer que devemos seguir as peculiaridades ortográficas dum país estrangeiro, enfim, nem merece comentário. Mas podem sempre pedir opinião a um catalão quanto a espanholizar ainda mais a sua ortografia.
Depois o argumento de normalizar e uniformizar a língua é de rebolar a rir. O ILTEC lista cerca de 200 prefixos que não existem no Brasil (letivo/lectivo, recessão/recepção, …) (logo que um brasileiro não percebe patavina) e tem cerca de 60.000 lemas em 250.000 com dupla grafia. Para não falar nas regras de acentuação etc. e tal. Por aqui estamos conversados.
Sinto-me ofendido quando dizem que sou um “reaccionário, imobilista ou conservador”. Mas espanta-me que os defensores do progresso aceitem benevolamente uma idiotia política assinada pelo Dr. Santana Lopes, esse vulto político da nossa praça. Depois dizer ou o AO90 ou passamos a ser um dialecto europeu tipo o checo é de bradar aos céus da tanta alarvidade junta. Então o que fazer quando Angola formalizar que não ratifica o AO90, tal como já o fez Macau e Moçambique inclina-se para fazer o mesmo… por falta de 100 milhões de dólares para torrar nestas coisas bastante importantes.
Outro ponto, prende-se com tanta ignorância jurídica quanto ao assunto. Um decreto-lei tem que ser explicitamente revogado, logo, ao dia de hoje, em Portugal, existem duas ortografias consagradas na lei, por muito que isso custe a boa gente. Juridicamente, a suspensão do AO90 até para isso seria benéfica.
Por último, quanto é que isto custa? 10 milhões de euros, 20, 100? Quanto custa? Quantos impostos se vão gastar com isto? E o meu ponto é o seguinte: se se admitir que vamos gastar 50 milhões de euros, mas vale montar um gabinete de documentação de português nas Nações Unidas que custa 30 milhões a montar e 8 milhões anuais a gerir. Isto sim é investir na língua. E já agora, sem investimento, leia-se dinheiro, não há língua que se projecte. E a este nível, conto apenas o pormenor (que soube de viva voz quando estive em Varsóvia este ano) que a todos nos envergonha e que é o seguinte: o Estado Português não tem 1000 euros (por universidade) para comprar 1 colecção completa de Eça de Queiroz ou de José Saramago ou de qualquer outro autor, mesmo depois de dezenas de solicitações de várias universidades polacas e húngaras onde funcionam doutoramentos em Estudos Portugueses. No fim, foram uns supermercados com uma joaninha a doar os livros.
Anónimo a 13 de Julho de 2011 às 20:00