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Linguagista

Léxico: «azarucho»

Uma figura para seguir

«A defesa de José Sócrates», dizem na RTP, «neste caso está nas mãos de João Araújo. O advogado defendeu a mãe do antigo primeiro-ministro em 2013, num caso de dívida ao Fisco, e tem dado nas vistas pelo discurso pouco institucional à entrada do tribunal.» «Pouco institucional» é favor. «O tribunal transmitir-lhe-vos-á [sic]...» Os jornalistas lembram que o tribunal está fechado. «Pois então, azarucho. Que é que eu hei-de fazer?»

[Texto 5286]

9 comentários

Helder Guégués 28.09.2016 19:43

Nunca mais ouvira nada desta personagem. Até hoje; numa breve do Expresso Diário, trocam-lhe o nome (azarucho!): «O Conselho Superior da Magistratura confirmou, na noite de terça-feira, que recebeu uma queixa do ex-primeiro ministro José Sócrates contra o juiz Carlos Alexandre. José Araújo, advogado de Sócrates, explica que a entrevista do juiz ao Expresso “é o motivo” da nova queixa» («Sócrates apresenta queixa contra juiz Carlos Alexandre por causa da entrevista ao Expresso», Expresso Diário, n.º 686, 28.09.2016).
Montexto 29.09.2016 11:06

Empregar «vos» por «lhes», ou «lhes» por «vos» é uma das baldas do português qual hoje ou lês e ouves de todas as penas e bocas, quase sem excepção, desde gramáticos, escritores, professores e tradutores (de jornalistas já nem se fala).
O causídico empregou as duas a um tempo, segundo o brocardo que eles muito citam: «quod abundat no nocet». No direito talvez não, mas em linguagem «nocet».
O bom emprego de «lhes» parece que já está fora do alcance e poder de toda essa gente.
Quanto ao mais, hão-de-os ter achado tão facetos que acabaram por assimilar o nome do mandatário ao do mandante...
Deviam aparecer ainda mais na TV, já que terminou o programa da Conversa da Treta.

Anónimo 29.09.2016 14:56

Ele queria ter dito "transmitir-vo-lo-á", isto é, que o tribunal transmitiria aos espectadores o discurso de defesa do advogado de José Sócrates.

Em textos brasileiros, nunca encontrei vo-lo ou no-lo, exceto no manual de direito constitucional do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal. Mesmo em textos portugueses, no entanto, não encontro vo-lo ou no-lo, exceto nos clássicos. E já reparei que, na SIC, a que assisto do Brasil pelo canal a cabo, quase ninguém usa não só essas, mas também as demais formas contratas: já ouvi dizerem mo e lho, mas nunca to, por exemplo.

Que me dizem: o português médio usa, na fala cotidiana, as formas contratas? Ou, neste caso, tal como no Brasil, já se tem tornando nulo o objeto?

Noutras palavras, dois portugueses médios teriam esta conversa:

- Pagaste-me ontem o que me devias?
- Sim, paguei-to por transferência bancária.

ou estoutra?:

- Pagaste-me ontem o que me devias?
- Sim, paguei-te (ou paguei-o, ou, como no Brasil, simplesmente, paguei) ontem por transferência bancária.
Montexto 29.09.2016 16:46

Dois portugueses médios nesse caso tanto podiam responder «paguei-te» (o que ele pagou subentende-se aqui facilmente) como «paguei-to».
O português, médio ou abaixo ou acima de médio, a quem passe pela cabeça duvidar uma fracção de segundo da correcção de «to» em casos desses, não a tem boa.
Anónimo 29.09.2016 17:40

Caro Montexto,

Não pus em dúvida que o português médio pudesse responder tanto "paguei-te" como "paguei-to", muito menos que considerasse correta a segunda forma.

Quero saber, na verdade, se se ouvem do português médio mo, to e lho com a mesma frequência com que se lhe ouvem me, te e lhe, nos casos em que poderiam ou até deveriam usar aquelas formas, e não estas.

Não é boa fonte a SIC, porque os telejornais privilegiam os falares de Lisboa e de Coimbra, mas, a julgar por ela, tenho para mim que to quase não se ouve, e mesmo mo e lho não são frequentes.
Montexto 29.09.2016 18:52

Ouvem-se com a mesma frequência.

Mas para sua (des)informação saiba que esta minha frase -- «ouvem-se com a mesma frequência», -- já vai havendo por cá muito maluquinho médio, mas sobretudo acima de médio, que acha que se pode, e porventua até deve, escrever «ouve-se-os com a mesma frequência».
Se não acredita, percorra o blogue, que vai encontrar.
Anónimo 30.09.2016 16:47

Pois aqui não se usa mais a passiva sintética, nem sequer se *a conhece.

Invejo-o por ter de lidar com maluquices menos ruins, a que mesmo os meus mais bem (melhor, como diriam) educados compatriotas chamariam menos piores: creia-me, não há um que atine com a aparente (para usar um anglicismo semântico que se enraizou por aqui tão profundamente que se não mais arranca) falta de sentido da expressão.

A sua, Montexto, é uma honrosa, mas inglória faina. Que continue o seu mourejo, para o bem dos poucos que ainda procuramos não deslustrar o legado que recebemos.
João de Braga Filho 29.09.2016 18:25

- Ó João, dá-me esse livro!
- Espera um pouco, dou-to já.

Léxico: «azarucho»

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