«Ondas insofridas»
Reler Os Lusíadas
«Em 735 adjectivos usados por Luís de Camões n’Os Lusíadas, apenas um é uma criação nova do poeta, uma estreia na história da língua portuguesa. É a palavra “insofrido”, que significa “impaciente”» («O português como língua de Camões é um mito», Isabel Salema, Público, 20.04.2016, p. 28). A tese, diga-se, é de Fernando Venâncio, e mereceu, e bem, uma página do Público.
Será que significa mesmo «impaciente» naquele verso de Camões? «Fizer por estas ondas insofridas» (Canto V, estrofe 43, v. 6). A estrofe tem sido interpretada como alusão ao tufão que, na segunda viagem (primeira depois da viagem de descobrimento), perto do cabo da Boa Esperança (mas aqui, e de novo, das Tormentas), causou o naufrágio de quatro naus da armada comandada por Pedro Álvares Cabral, e em que morreram todos os seus tripulantes, incluindo Bartolomeu Dias. Foi tudo tão repentino, que nem deram conta do perigo. Nestas circunstâncias, aquelas ondas insofridas são ondas turbulentas, indomáveis, e não impacientes. Insofrido é o que não sofre, e é essa a ameaça: a de que as ondas não iam sofrer, tolerar a passagem dos navios. Sim, sei o que regista Morais no seu dicionário. Estou com Sir Francis Burton: restless waves.
[Texto 6760]