Opiniões sobre o AO90
Alguns equívocos, ou como engenheiros
«Respeita o Acordo Ortográfico ou é um resistente?», perguntam, na entrevista ao Expresso, ao revisor Manuel Monteiro. «Por razões muito longas de explicar, sou um resistente. Não aceito que “falámos”, “pára”, “pêlo” possam perder o acento; que “cor-de-laranja” perca os hífenes, mas “cor-de-rosa” não; que beber um copinho de leite seja o mesmo que uma pessoa que é um copinho-de-leite (com o Acordo de 1990, perde os hífenes)» (in Expresso).
Três ou quatro notas. (Nota 0: não sei como pode um revisor, na sua vida profissional, resistir ao Acordo Ortográfico de 1990. Eu faço o máximo, desaconselho a adopção da nova ortografia, e mesmo isso é uma gota de água, ou nada.) Primeira: se o uso do acento agudo na primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo dos verbos da primeira conjugação é facultativo (e pese embora as facultatividades serem uma péssima ideia), não estou a ver qual é o problema. Segunda: embora haja incoerência na grafia das cores, «cor-de-laranja» nunca foi hifenizado*. Terceira: há muito que defendo essa diferenciação entre sentido denotativo e sentido conotativo, mas é óbvio que a formulação é infeliz. Não é «beber um copinho de leite» que se confunde agora, com o Acordo Ortográfico de 1990, com «copinho-de-leite», mas o próprio «copinho de leite» com «copinho-de-leite», porque ambas as acepções passaram a escrever-se sem hífenes. Os revisores — toda a gente, mas especialmente os revisores — têm de ser rigorosos como engenheiros, ou a obra cai.
[Texto 6023]
* É impressão minha ou a lista com exemplos de compostos consagrados pelo uso, com hífen, no sítio da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, vai crescendo?