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Linguagista

O AO90 como ele não é

Há fatos, mas o rei vai nu

 

      «Os maquinistas estão indignados com o Governo e o ministro da Presidência por ligar, de forma “despropositada”, a má classificação de Portugal na segurança ferroviária a nível europeu e a taxa de álcool dos maquinistas. À Renascença, o presidente do sindicato descreve as declarações desta quinta-feira como resultado de uma “perfeita ignorância”, aponta que “um ministro ignorante é um ministro perigoso” e pede a demissão de António Leitão Amaro» («“Um ministro ignorante é perigoso”. Maquinistas indignados por Governo ligar acidentes na ferrovia a álcool», João Pedro Quesado, Rádio Renascença, 14.11.2024, 20h50).

      Assim, de repente, Luís Montenegro já podia substituir pelo menos quatro ministros. É obra. E por ignorância: logo depois, o presidente do Sindicato Nacional dos Maquinistas dos Caminhos-de-Ferro Portugueses (SMAQ) borra a pintura: «“Aquilo que nós assistimos esta tarde, na conferência de imprensa, foi um insulto aos maquinistas. O senhor ministro faz uma relação entre taxas de alcoolemia e sinistros na ferrovia quando não há um nexo causal”, afirma António Domingues» (idem, ibidem). Em português, o verbo assistir no sentido de presenciar ou ver deve ser usado com a preposição a. Portanto, a forma correcta seria esta: «Aquilo a que nós assistimos esta tarde...» Culpa também do jornalista, evidentemente: corrigia. Não contente, ainda anexou a carta enviada ao ministro da Presidência, e eu tive a imprudência de clicar nela para a ampliar. Saltaram-me logo os olhos para isto: «Assim, solicitamos que V. Exa. se retrate publicamente e corrija as suas declarações, esclarecendo a realidade dos fatos e mostrando o devido respeito por todos os profissionais que, diariamente, trabalham para garantir a segurança no transporte ferroviário em Portugal.» Já não quis ler mais. Mas já vou ter pesadelos esta noite.

[Texto 20 521]

Como se aplica o AOLP90

A olhómetro

 

      «Estava uma boa tarde de sol, sentei-me numa esplanada na avenida da Républica para comer um gelado e, na mesa ao lado, dois homens de meia idade, entre os 50 e 60 anos, conversavam com muita desenvoltura» («Polónica: literatura e política», Jacinto Rêgo de Almeida, Jornal de Letras, 16-29.10.2024, p. 35). Por qualquer motivo, que não pode ser bom, os libérrimos intérpretes das regras do Acordo Ortográfico de 1990 procedem a uns cortes aleatórios — assim os vejo — nos hífenes. Entre as principais vítimas encontra-se justamente «meia-idade», seguida logo de «extrema-esquerda» e de «extrema-direita». Um jornal literário não ser revisto é que me parece um contra-senso perigoso. Bem, eles lá sabem. Ou não.

[Texto 20 447]

Adjectivos referentes aos pontos cardeais

Um grande equívoco

 

      Talvez não seja a altura ideal para o revelar, mas fiquem a saber que entre os meus antepassados estão judeus asquenazes. Mais uma vez, Porto Editora, as minúsculas indevidas: em asquenaze, escreves que é o «judeu originário da Europa central e oriental». É erro que já vi possivelmente em dezenas de verbetes, mas, mais do que isso, estamos perante um arraigado equívoco: desde quando é que, mesmo na grafia do Acordo Ortográfico de 1990, isto se escreve com minúscula inicial? Nunca! Tanto quanto sei, nos adjectivos referentes aos pontos cardeais que acompanham o nome de partes do mundo, regiões ou países, usa-se sempre a maiúscula inicial: América Central, Europa Ocidental, África Oriental, América Setentrional, Ásia Central, Leste Europeu, Brasil Meridional, Cone Sul, Velho Oeste, etc. Que veja este erro em jornais, revistas, traduções, etc., não me surpreende nada — mas num dicionário?

[Texto 20 426]