Sobre «em bolandas»
Para terminar
«E apesar da passagem do tempo e das bolanas a que tem sido submetido depois de morto, não nos será difícil, com pequeníssimos ajustes, imaginar diálogo semelhante a este, também assinado por Brandão, aquando da inauguração do monumento a Eça: “— V. Exª leu alguma vez o Eça? — Ler, nunca, mas conheci-o em Évora, delegado do tesouro, e até por causa disso vim ao Príncipe Real ver-lhe um drama de ladrões, que estava mesmo escrito ao meu sabor. — Mas isso não é o Eça de Queiroz, é o Eça Leal. — O quê?! Não é o mesmo? Ai os meus ricos dois contos de réis!”» («A maçã de Newton que acabará por nos cair na cabeça», Ana Cristina Leonardo, «Ípsilon»/Público, 17.01.2025, p. 31).
Seria, não uma maçã, mas um raio que cairia em cima da cabeça do revisor, acaso o texto tivesse sido revisto. A verdade é que se toda a gente conhece (será?) a locução adverbial e o seu significado, poucos saberão da sua relação com o verbo voar (volar, em castelhano). Em castelhano é en volandas, e o DRAE aponta-lhe dois sentidos: «1. loc. adv. Por el aire o levantado del suelo y como que va volando; 2. loc. adv. coloq. Rápidamente, en un instante.» Ou seja, em castelhano remete directamente para a ideia de elevação, suspensão ou deslocamento rápido, como se estivesse a voar. Em português, a adaptação para «em bolandas» manteve a carga semântica de movimento e instabilidade, mas perdeu a relação óbvia com «voar», tornando-se uma expressão mais idiomática e opaca no uso moderno. Diga-se também que a Porto Editora faz o que eu desaconselho vivamente, que é misturar tudo: «aos tombos; em grande azáfama, atrapalhado». (Não será apenas uma questão de gosto: só se me tivesse caído um caixote de maçãs na cabeça é que eu usaria a locução «aquando de».)
[Texto 20 818]