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Linguagista

«Ter matado a mulher»

Lésbica ou assassina?

 

      «Tédio foi a palavra que despertou a atenção do fotógrafo João Francisco Vilhena. Leu-a nos jornais, há cerca de oito anos, como sendo a desculpa dada por um homem para ter morto a mulher» («De que não falamos quando falamos de amor», Ágata Xavier, «GPS»/Sábado, 17-23.9.2015, p. 40).

      Lembramo-nos logo do Clube das Encalhadas, não é? «Preferias ser lésbica ou ter morto alguém? E diz-se morto ou matado?» (O Clube das Encalhadas, Catarina Fonseca. Lisboa: Editorial Caminho, 2006, p. 8). A interlocutora dá a resposta que se ouve frequentemente: «— Acho que é matado, mas soa tão mal.» É quase sempre assim: tudo o que é correcto, por ser tão pouco usado, vai soando mal. Pudera.

      Como tantos outros (chamados verbos abundantes), o verbo «matar» tem dois particípios, um regular (matado), que é o seu particípio natural e próprio, como disse Mário Barreto, e um irregular (morto), que toma do verbo «morrer». Com os verbos «ser» e «estar», devemos empregar o particípio irregular; o particípio regular, por seu lado, é utilizado nos tempos compostos com os verbos auxiliares «ter» e «haver». Logo, a frase ficaria assim: «Leu-a nos jornais, há cerca de oito anos, como a desculpa dada por um homem para ter matado a mulher.» Sim, a frase teve de levar ali uma tesourada numa excrescência: «como a desculpa» e não «como sendo a desculpa».

 

[Texto 6257]